Sobrevivente mantém viva a memória do Holocausto no TikTok


Tania Krämer, Ramat Gan

30/04/2022 11h28

Gidon Lev sobreviveu ao Holocausto quando era criança e hoje se dirige à geração mais jovem usando o TikTok. Mais de 80 anos após o fim da Segunda Guerra, debate sobre como lidar com o Holocausto está mudando.Gidon Lev compartilha algumas de suas memórias no TikTok com músicas, memes e hashtags. Lev, que sobreviveu ao Holocausto quando era criança, fala sobre suas experiências na rede social. E, aos 87 anos, ele virou estrela especialmente entre os usuários jovens, alguns dos quais se referem a ele como seu "vovô TikTok".

"Eu só acho que, apesar de tanto horror, sofrimento, dor e crueldade, há também coisas e pessoas boas na vida. Às vezes é preciso procurá-las e encontrá-las, mas elas existem", afirma Lev, acrescentando que "os jovens podem fazer do mundo um lugar melhor. A vida está diante de você, e podemos torná-la melhor".

Lev nasceu em 1935 em Carlsbad, hoje Karlovy Vary, na República Tcheca. Quando tinha seis anos, ele foi levado com seus pais para o campo de concentração e gueto Theresienstadt (Terezin), perto de Praga, onde seus pais foram obrigados a fazer trabalhos forçados: seu pai trabalhava em uma mina próxima, e sua mãe trabalhava com outras mulheres para processar a mica.

"Periodicamente, os alemães faziam o que chamamos de 'Stichprobe'", conta Lev, usando a palavra em alemão que significa amostra aleatória. Os nazistas verificavam a quantidade de pedras que as mulheres processavam.

"Suponho que as mulheres que processavam a quantidade indicada podiam ficar no local. Se elas ficassem, seus filhos também permaneciam", afirma Lev. "Acho que devo isso à minha mãe, porque ela deve ter trabalhado duro, feito o suficiente para permanecer até o fim. É por isso que estou aqui hoje."

Seu pai não sobreviveu. Ele foi deportado pelos nazistas de Theresienstadt para o campo de concentração de Auschwitz, na Alemanha, onde foi assassinado. Ao todo, Lev perdeu 26 de seus parentes no Holocausto. Em um dos vídeos que gravou, Lev mostra um pingente que seu pai havia dado à sua mãe antes de ser forçado a entrar no trem para Auschwitz.

Após a guerra, em 1945, ele e sua mãe voltaram para casa por um breve período e, depois, seguiram para os EUA e, mais tarde, para o Canadá. Em 1959, Lev emigrou para Israel.

Apesar de todas as dificuldades e tragédias, Lev se considera um otimista e não quer ser definido apenas como um sobrevivente do Holocausto. Mas ele se preocupa com aqueles que continuam negando o que aconteceu com milhões de judeus e outras pessoas perseguidas pelos nazistas.

Lev também está preocupado com aqueles que espalham atualmente o antissemitismo, particularmente nas mídias sociais. "Eu sei que isso existe, e não é preciso muito para trazer o ódio e a crueldade à tona. Nós já vimos isso", conta.

Contra o antissemitismo e os negacionistas do Holocausto

Durante a pandemia de coronavírus, Lev pediu aos seguidores de seus vídeos no TikTok que não comparassem medidas como usar máscaras de proteção facial com táticas nazistas. Ele também criticou duramente aqueles que se opunham à vacinação e colocavam uma estrela amarela em suas roupas. Sob o domínio nazista, todo judeu tinha que usar uma estrela de Davi de cor amarela.

"Fiquei com tanta raiva, porque essa máscara que usamos é para proteger a nós mesmos e aos outros de adoecer e, às vezes, até de morrer", afirma Lev. Referindo-se à estrela amarela, ele diz: "Acontecia exatamente o oposto: era para separar os judeus do resto da população, quer dizer, para isolar, constranger e humilhar. Não era para protegê-los, mas para demonizá-los de certa forma."

Lev e sua companheira, Julie Gray, que produz os vídeos, ficaram surpresos com o sucesso das postagens, que já foram vistas e curtidas por milhões de pessoas.

Na verdade, os vídeos para o TikTok foram feitos para divulgar o livro "As verdadeiras aventuras de Gidon Lev" (em tradução livre), que Lev e Gray escreveram juntos. Porém, eles transformaram a ação em algo maior.

"Para mim, a importância de usar o TikTok é porque existe uma surpreendente falta de educação sobre o Holocausto entre os jovens", conta Gray, que é editora. "Então, você pode usar o TikTok – um meio que os jovens gostam – com música, memes e hashtags para ensinar algo."

Não se trata de educar sobre o Holocausto em 30 segundos. "O que fazemos é inspirar curiosidade e fazer as pessoas dizerem: 'Quero aprender mais'. Temos que nos perguntar como estamos ensinando sobre o Holocausto. Está atualizado e alcançando as pessoas?", questiona Gray.

Cultura da memória em transformação

Esse cenário em mutação foi acompanhado de perto por Noa Mkayton, diretora do Departamento de Educação e Treinamento no Exterior da Escola Internacional de Estudos do Holocausto em Yad Vashem, o principal memorial do Holocausto de Israel, localizado em Jerusalém.

Ela afirma que a cultura da memória nunca é estática e está em constante transformação. E, mais de 80 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, há outra realidade importante: a geração de sobreviventes do Holocausto desaparecerá em breve, e encontros que reúnem testemunhas oculares e jovens estão se tornando cada vez menos frequentes.

Antes do Dia Internacional da Lembrança do Holocausto, o Escritório Central de Estatísticas de Israel disse que cerca de 165 mil pessoas que vivem em Israel são reconhecidas pelo Estado como sobreviventes do Holocausto.

"Há um impacto enorme, porque remove uma conexão muito pessoal com o tema, como por exemplo, 'esta é minha avó, este é meu avô'", afirma Mkayton, referindo-se à terceira e quarta gerações de descendentes do Holocausto em Israel.

Novas formas e expressões de memória também estão surgindo entre a geração mais jovem. "A pergunta é: como posso me expressar e qual ferramenta devo usar? E se for usado o TikTok, por exemplo, o material terá apenas um minuto de duração – e não mais uma perspectiva pessoal longa, introvertida e equilibrada. A linguagem simplesmente mudou", conta Mkayton. "Nós, como educadores e professores, podemos não estar felizes com isso, mas devemos aceitar e lidar com esse fato."

O debate sobre a memória não é novo. "Mesmo há 20 anos, quando os professores caminhavam com seus alunos da 9ª série pelos memoriais, eles entravam em pânico e se preocupavam se os alunos haviam deixado seus chicletes e walkmans no ônibus [como um sinal de respeito às vítimas]", lembra Mkayton.

No final, tudo se resume à educação. "O respeito que o assunto exige é uma questão de educação: como posso transmitir o tema de forma que entendam que também tem a ver com você?", questiona.

Para Lev, as redes sociais – com todas as suas vantagens e desvantagens – são simplesmente uma ferramenta para transmitir sua mensagem.

"Quando penso no modo como os alemães foram cruéis e tão desumanos com outros humanos, não consigo acreditar que essas mesmas pessoas, essa mesma nação nos deu Bach, Händel e Brahms. E então eles fizeram o que aconteceu. Como isso é possível? Mas é", conta Lev. "E só posso esperar que haja um número suficiente de jovens que saibam o que é certo e tentem fazer o melhor."

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