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Protesto do Movimento Fridays for Future em Berlim, em maio de 2019Em 1992, representantes de 178 países se reuniram no Rio para discutir problemas ambientais. Conferência chamou atenção para desenvolvimento sustentável e viabilizou tratados, mas passos concretos ainda deixam a desejar.Efeito estufa, desmatamento, camada de ozônio. Três décadas atrás, esses e outros conceitos ainda eram muito mais restritos aos jargões dos cientistas do que presentes no dia a dia da população em geral. Trazer a conscientização ecológica para o debate público, apontam especialistas, foi o principal legado da Eco-92 ou Cúpula da Terra, como ficou conhecida a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que reuniu representantes de 178 nações no Rio de Janeiro entre 3 e 14 de junho de 1992.

Faz 30 anos, e as transformações vividas pelo planeta de lá para cá tornaram imprescindível o que já era urgente: colocar em prática medidas para conter a devastação ambiental em busca de um desenvolvimento sustentável. Com termômetros marcando temperaturas cada vez mais elevadas, o vocabulário do tema também foi atualizado — "aquecimento global" e "catástrofe climática" são exemplos de termos hoje correntes.

"A Eco-92 trouxe à pauta política internacional e ao discurso público temas que até então eram praticamente restritos à comunidade científica. A mudança climática, por exemplo, já havia sido apontada há muitas décadas, desde pelo menos meados do século 20, mas era uma coisa distanciada do grande público e dos gestores públicos ou privados", afirma o biólogo Mairon Bastos Lima, pesquisador do Instituto Ambiental de Estocolmo. "O evento foi vanguardista, mas ainda temos um atraso grande para tirar", avalia.

"Podemos dizer que a Eco-92 iniciou o século 21. Consagrou a ideia do desenvolvimento sustentável, que se diferencia qualitativamente do crescimento econômico, e mostrou a necessidade de incorporar a sustentabilidade à agenda empresarial e dos governos", resume o ambientalista Fabio Feldmann, consultor sênior do Centro Brasil no Clima.

Segundo ele, o evento colocou como fundamental a garantia dos direitos das futuras gerações. "Em outras palavras: mudou o mundo", considera.

Ao colocar a ecologia como fundamental, a Eco-92 também impactou o marketing e as próprias relações comerciais. "Foi referência para a mudança de mentalidade também nas empresas", pontua o publicitário Marcus Nakagawa, coordenador do Centro ESPM de Desenvolvimento Sustentável. "A importância do marketing para causas ecológicas é fundamental. Muitas organizações fazem todo um marketing social e ecológico ensinando as pessoas a importância de se olhar e preservar a natureza e esse movimento começou a crescer [a partir daquele evento]."

Os desdobramentos

No aspecto prático, a conferência teve o mérito de ter sido a primeira a conseguir colocar na mesma mesa tantos líderes mundiais — houve presença maciça de chefes de Estado no Rio. E os desdobramentos que ficaram, além da temática incorporada ao debate público, são os tratados e conferências costurados posteriormente.

Lima explica que a Eco-92 criou "as chamadas convenções-quadro da ONU: para o clima, para a conservação da biodiversidade, e de combate à desertificação".

"São acordos importantíssimos e que até hoje norteiam a política ambiental internacional”, avalia. "Se temos desde os anos 1990 encontros anuais das conferências do clima [as chamadas COP], entre outros, devemos isso àqueles acordos firmados no Rio em 1992. Essas conferência se dão todas dentro do contexto daquelas convenções."

"As conferências do clima são a formalização da Eco-92", define o ambientalista Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima.

O mesmo vale para os tratados firmados. Em 1997, por exemplo, foi assinado o Protocolo de Quioto, uma consequência da convenção-quadro do clima estabelecida na Eco-92. E, em 2015, o Acordo de Paris.

"Os frutos do evento, portanto, seguem tendo desdobramentos positivos. Não ficaram lá atrás limitados ao evento em si", argumenta o biólogo Lima.

O ambientalista Astrini afirma que a partir da Eco-92 "o mundo passou a encarar os problemas do clima com muito mais seriedade". "Os olhos do mundo estavam acompanhando o que estava sendo falado no Rio de Janeiro, palco privilegiado para o tema, que ganhou um espaço nunca havido antes", comenta.

Ele concorda que a conferência criou "as bases para protocolos como o de Quioto" e também para as cúpulas sobre clima. "Ali foi dado o passo decisivo para todos os debates que até hoje acontecem sobre clima", diz Astrini.

A partir de Estocolmo

A conferência ocorrida no Rio em 1992 partia de um marco histórico: exatos 20 anos antes, em 1972, o primeiro grande evento do mundo dedicado ao meio ambiente havia ocorrido em Estocolmo, na Suécia. O escopo de ambos era o mesmo — a diferença foi a maneira como a edição brasileira conseguiu congregar chefes de Estado e atrair holofotes.

Além do aspecto político, houve também uma intensa apresentação de pesquisas científicas e a participação maciça, em uma espécie de evento paralelo, de organizações não governamentais dedicadas à preservação do meio ambiente.

Entre os resultados, destacam-se ainda a publicação de alguns documentos oficiais que, de certa forma, até hoje norteiam discussões ambientais. É o caso da Carta da Terra e da Agenda 21.

Considerado o principal documento daquela conferência, o Agenda 21 procura conciliar métodos de preservação ambiental com eficiência econômica e justiça social. Apresenta-se como um programa, com a pretensão de viabilizar um padrão de desenvolvimento que seja compatível com o meio ambiente.

Mas nem tudo se traduziu em avanços. Uma quarta convenção-quadro, sobre florestas, foi propostas mas acabou não sendo criada — o próprio Brasil foi contrário, "temendo intromissão estrangeira" em suas florestas, aponta o biólogo Lima.

"O que também deixou a desejar foi a superficialidade do compromisso dos países ricos, firmado à ocasião num mundo ainda bastante otimista com […] uma ideia de que não havia mais competição geopolítica [era um momento de fim da Guerra Fria]", acrescenta Lima.

"Um dos fundamentos de todos esses acordos e convenções firmados na Rio-92 foi a distinção entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, e que os primeiros liderariam a transição, reduzindo as suas emissões, e auxiliando os países em desenvolvimento com apoio financeiro e transferência de tecnologia", complementa o biólogo. "Infelizmente, isso não ocorreu nem de longe na medida necessária."

Feldmann argumenta que enquanto as conferências internacionais servem para "apontar caminhos e criar compromissos éticos e legais", elas não têm "capacidade de garantir a implementação". "Isso sempre depende de governos, empresas, indivíduos, enfim, da sociedade."

Peso político

Na avaliação de especialistas, o gigantismo da Eco-92 reside na maneira como envolveu o planeta. "A premissa é que as conferências sejam grandes marcos políticos. A Rio 92 foi a maior delas em termos de presença de chefes de Estado e importância. E, por isso, uma nova conferência tem de ser realizada com uma agenda que possa reunir governos e sociedade, e fazer diferença", diz Feldmann.

Trinta anos depois da conferência histórica, o Brasil não só descartou reeditar um evento nas proporções da Eco-92 como vê seu papel nas negociações em torno do meio ambiente seriamente comprometidos pela forma inadequada com que o atual governo federal conduz as políticas do setor.

"A agenda do clima é de liderança, é coletiva, é de futuro, é de construção. São valores muito grandes para um governo pequeno como o que temos hoje no Brasil, que não combina com essa agenda", pontua Astrini, citando que a gestão Jair Bolsonaro se opôs a que o país sediasse a COP em 2019.

"No momento, o governo brasileiro é a síntese do que o mundo não precisa em termos de meio ambiente e clima", avalia o ambientalista.