A situação era tão crítica que os próprios guarda-costas de Pence ligaram para seus parentes, mandaram mensagens a suas famílias se despedindo deles. Esses homens armados com treinamento especial de repente ficaram, eles mesmos, com medo de não saírem vivos. O presidente Trump, que ainda estava no cargo, recebia atualizações constantes sobre a escalada da situação, mas por mais de três horas foi refratário a todos os conselhos, todos os pedidos de seus conselheiros mais próximos para finalmente pedir ao seu povo que voltasse para casa pacificamente. Nem mesmo sua filha Ivanka Trump conseguia chegar até ele. Em vez disso, ele continuou a telefonar com senadores republicanos, tentando impedir sua saída do poder. Um deles até teve que desligar porque estava sendo retirado do Capitólio.
A Trump, só importava manter o poder
Na mais recente mas não última audiência sobre a invasão do Capitólio, até o último cético que ainda se interessa pelos fatos perceberá: nas três horas da invasão do Capitólio, Trump se preocupava apenas com um instinto que é mais velho que a democracia: a manutenção do poder. "Não quero dizer que as eleições acabaram", afirmou no dia seguinte em comentários filmados durante um discurso.
Trump havia perdido. Mas ele não se importava, aquilo não poderia acabar. A última rodada de audiências sobre o assalto ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021 demonstrou de forma impressionante o que todos já sabiam. Que o próprio Donald Trump foi o maior ataque à democracia americana que já houve. Algo reconhecido naquela noite também por muitos de seus assessores mais próximos. Alguns que agora testemunharam, como seu ex-vice-assessor de segurança nacional Matthew Pottinger, imediatamente se demitiram de seus cargos. Outros ficaram porque estavam preocupados com quem os substituiria e, assim, ganhariam influência sobre Trump, como seu assessor jurídico Pat Cipollone.
Ameaça de falência das instituições
Mas o ataque de Trump à democracia americana continua impactando. Quer ele tente ou não um retorno presidencial, a democracia dos EUA está danificada. O sistema eleitoral disfuncional, que já não dá peso igual a todos os votos, está sendo mais afinado para permitir o mínimo de surpresas possível. A Suprema Corte não apenas restringe os direitos das mulheres, mas também põe em dúvida sua própria credibilidade. Há uma ameaça de falência das instituições na democracia mais importante do mundo, em meio à luta dos sistemas políticos com a China e a Rússia. E sem uma América democrática, a Europa também poderia degenerar rapidamente em moeda de troca na reorganização das potências mundiais totalitárias.
Mas também há muitos homens e mulheres em todas as instituições democráticas americanas que, como Matthew Pottinger, Pat Cipollone ou a ex-vice-secretária de imprensa de Trump, Sarah Matthews, levam a sério seu juramento de ajudar a garantir que os EUA permaneçam "the land of the free". Compungidos, se sentaram diante da comissão de investigação porque guardaram silêncio por tempo demais.
Assim como muitos outros. Porque ainda existe nos EUA: a maioria silenciosa. Dependerá cada vez mais deles quando a próxima multidão estiver à porta; seja diante de uma clínica de aborto ou do Capitólio. A situação nos Estados Unidos é grave, mas não desesperadora. Qualquer um que já esteja falando sobre o fim da democracia americana a está diminuindo ao invés de lutar por ela – o que seria um presente para os Putins e Xis deste mundo.
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Michaela Küfner é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.
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