Em entrevista à DW, diretor da Aliança pela Preservação da Democracia questiona o valor estratégico da possível viagem da presidente da Câmara dos EUA a Taiwan, que tensiona a relação entre Washington e Pequim.Menos de uma semana depois de uma conversa telefônica entre o presidente chinês, Xi Jinping, e o presidente americano, Joe Biden, a possível visita da presidente da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a Taiwan, tem potencial para gerar atritos entre Pequim e Washington.
Pelosi está fazendo um giro pela Ásia e poderia tocar o solo taiwanês já nesta terça-feira (02/08), mesmo após Xi ter alertado Biden que os Estados Unidos não deveriam "brincar com fogo" sobre esse tema – a visita ainda não foi confirmada. Biden já havia indicado que o próprio Exército americano não considera uma boa ideia a visita de Pelosi neste momento.
Taiwan é uma ilha autogovernada, com um regime democrático e politicamente próxima de países do Ocidente, e uma importante produtora de chips eletrônicos. A ilha declarou sua independência da China em 1949, mas Pequim a considera parte de seu território. Apenas 14 países do mundo mantém relações diplomáticas oficiais com Taiwan, que conta com o apoio dos Estados Unidos.
Em entrevista à DW, o diretor-adjunto da iniciativa Aliança pela Preservação da Democracia (Alliance for Securing Democracy), Zack Cooper, avalia que a viagem pode acarretar riscos para os três países envolvidos: "Questiono a sensatez dessa visita, porque penso que ela não vai gerar grandes resultados", afirma.
Na semana passada, após a conversa entre Biden e Jinping, o porta-voz do Ministério da Defesa da China, Tan Kefei, advertiu que os militares chineses não ficarão de braços cruzados diante de uma possível visita de uma representante americana de alto escalão a Taiwan, o que não ocorre desde 1997.
Mesmo assim, Cooper se diz relativamente otimista quanto à possibilidade de se resolver a crise: "A viagem pode ser apenas um pequeno incômodo e não um grande incidente", diz.
DW: A presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, Nancy Pelosi, ainda não definiu se visitará Taiwan durante sua viagem à Ásia. Você teria alguma explicação para isso?
Zack Cooper: Meu palpite é que ela gostaria de manter todas as opções em aberto, mas acredito que esteja bem claro no momento que ela irá a Taiwan. Ficaria surpreso se ela não fizesse isso.
Quais seriam os riscos de uma viagem como essa do ponto de vista dos EUA?
Primeiramente, gostaria de salientar que Nancy Pelosi tem todo o direito de viajar para Taiwan. Quanto a isso, não há dúvidas. Não há nada na política ou no direito americano que a impeça de fazer isso.
Mas há uma série de riscos. Na minha opinião, o sentimento de Pequim de que os EUA poderiam, aos poucos, passo a passo, restringir aspectos da sua política sobre Taiwan. Joe Biden fez três fortes declarações equivocadas sobre a política dos EUA em relação a Taiwan. E dois republicanos respeitados, Mike Pompeo e Mark Esper, estiveram recentemente em Taipei e propuseram que os EUA abandonassem a "política de uma só China". Além disso, o Congresso americano está negociando uma nova legislação que mudaria uma parte das relações entre Estados Unidos e Taiwan.
Aos olhos da China, portanto, tratam-se de uma série de iniciativas. E agora há também a possível visita de Pelosi. Presumo que Pequim deverá fazer algo para expressar sua forte desaprovação em relação a essa visita. O que será exatamente feito, eu não sei. O medo é de que os chineses possam promover algum tipo de escalada.
Quais são os objetivos que Nancy Pelosi quer alcançar? E o que, na sua opinião, é realizável para ela?
O motivo pelo qual questiono a sensatez dessa visita é porque acredito que ela não vai gerar grandes resultados. E acho que a visita prejudica a unidade política. Joe Biden defende agora uma posição diferente de Nancy Pelosi sobre uma questão política que até certo ponto é importante, e isso não é saudável. Suspeito que Pelosi queira visitar Taiwan porque há muito tempo ela é uma crítica do Partido Comunista Chinês. Ela esteve na Praça da Paz Celestial em 1989 e apoiou os manifestantes. Portanto, essa abordagem não é nova.
Mas não está claro como isso ajudará Taiwan de forma concreta. E esse é o problema desse tipo de visita. Taiwan precisa de muita ajuda quando se trata de relações econômicas com os EUA ou mesmo cooperação militar. Mas visitas e retórica não ajudam muito. Portanto, para mim, essa é uma viagem de alto risco e pouco benefício.
Na conversa telefônica entre Joe Biden e Xi Jinping, há alguns dias, houve ameaças do lado chinês, enquanto Joe Biden tentou claramente assegurar que não haveria nenhuma mudança na política entre EUA e China, em particular em relação a Taiwan. Quais são as perspectivas dessa viagem?
Tenho uma sensação melhor do que há dois ou três dias. O encontro virtual entre Biden e Xi correu da melhor maneira possível. Porque não há mundo no qual Xi Jinping diria: "tudo bem quanto à viagem de Pelosi, não vamos responder". Mas há também um mundo em que os chineses poderiam ter sido muito mais diretos e ficado muito mais irritados do que eu acho que estavam na reunião. Por isso, estou cautelosamente otimista de que há algumas formas de sair dessa crise. Temos que ser realistas de que teremos uma semana tensa. O período de um a dois dias próximos da visita de Pelosi pode ser muito tenso. Mas estou confiante de que uma crise no Estreito de Taiwan pode ser evitada – a última ocorreu em 1995-1996. A viagem pode ser apenas um pequeno incômodo e não um grande incidente.
O quão perto estaríamos de um confronto militar se Nancy Pelosi colocar os pés em solo taiwanês?
Estimo o risco em 10% a 20%. É possível que Pequim coloque em prática uma escalada significativa. E outra rápida observação: há três partes envolvidas em um possível conflito aqui – China, EUA e Taiwan – e elas têm que encontrar uma saída para essa crise.
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