As Forças Armadas da Rússia são há décadas consideradas uma das maiores e mais poderosas do mundo – até mesmo equipadas com armas nucleares.
E para que o mundo não se esquecesse disso, o presidente Vladimir Putin regularmente forneceu imagens de desfiles militares perfeitamente coreografados em Moscou ou executou exercícios militares com países amigos, como Belarus.
No entanto, o poder real de um exército não se mede com passos coreografados na Praça Vermelha, mas nas trincheiras de um campo de batalha. E as tropas russas estão sendo acuadas no leste da Ucrânia por um exército muito menor e que nem sequer existia há alguns anos. Como isso pôde acontecer?
O real tamanho do exército de Putin
No papel, as Forças Armadas russas têm 1 milhão de soldados e deverão ter em breve 1,1 milhão, comenta a especialista em defesa Margarete Klein, do Instituto Alemão de Relações Internacionais e Segurança. Mas ela diz que, na verdade, o tamanho real é muito menor.
E uma grande parte dessas unidades já foi usada na Ucrânia. "Elas sofreram enormes perdas em termos de soldados", conta Klein. Não há números exatos, mas serviços de inteligência dos EUA avaliam que a Rússia já amargou dezenas de milhares de mortos ou feridos.
Boa parte dessas baixas teria sido registrada em regimentos que estavam estacionados – em tempos de paz – na parte asiática da Rússia, diz o especialista americano George Barros.
Segundo ele, a ideia de que a Rússia dispõe de um grande número de reservistas prontos para entrar em ação não corresponde à realidade. O curso da guerra, até agora, está provando que o mundo já há muito tempo superestima a força do Exército russo, avalia.
Os reservistas agora convocados são para preencher as lacunas deixadas pelas baixas. Ao convocar esses reservistas, Putin apenas tenta manter a linha atual do front depois de tantos recuos, dizem os especialistas.
Sem treinamento ou equipamentos de combate
O perfil dos convocados dá uma boa ideia do estado atual da força militar russa. "Há homens com mais de 50 anos e problemas de saúde", afirma Barros. Diversos posts nas mídias sociaiscorroboram essa observação.
Antes de ir para a guerra, reservistas precisam ser treinados e equipados. Porém, na atual situação, muitos deverão receber apenas um ou dois meses de treinamento, o que está longe de ser suficiente.
E há mesmo aqueles que são enviados para os combates sem nenhum treinamento ou equipamento, afirma Barros. Ele considera difícil que vitórias militares possam ser alcançadas com tais reservistas – o efeito prático deverá ser um aumento no número de mortos e feridos.
O especialista russo em segurança Pavel Luzin, que vive nos EUA, é da mesma opinião e avalia que a Ucrânia continuará lutando, apesar dos "referendos" realizados por separatistas pró-Rússia no Leste do país.
Ele acrescenta que a indústria de armas da Rússia não está em condições de fornecer uma quantidade significativa de equipamentos no curto prazo, especialmente para reservistas que estão sendo convocados neste momento.
Já Klein lembra que estão sendo usados armamentos antigos que estavam armazenados desde a era soviética. Ela ressalva que nem mesmo é certo se grande parte desse material ainda funciona ou se já não foi há muito tempo vendido por meio de corrupção. A indústria de defesa russa carece de chips para armas de alta precisão, diz.
A real grande vantagem militar da Rússia sobre a Ucrânia é ter uma população muito maior e, assim, poder enviar cada vez mais reservistas para a guerra no longo prazo, observa o especialista Ted Galen Carpenter, do Instituto Cato, em Washington.
Só enviar mais soldados não resolve
Os componentes que determinam o sucesso numa guerra são vários, comenta Barros. Soldados, armas modernas, bom treinamento, liderança, motivação e logística são apenas alguns deles.
"Simplesmente enviar mais pessoas para o front não resolverá o problema que os russos estão enfrentando", frisa Barros, acrescentando que as forças ucranianas continuam avançando. A contraofensiva ucraniana não acabou, assegura, e os russos podem se dar por satisfeitos se conseguirem manter suas atuais posições.
As Forças Armadas da Rússia sempre foram claramente superiores às da Ucrânia, tanto em termos de qualidade de armas como em número de soldados. Mas a liderança militar de Moscou não soube, até aqui, usar essa superioridade tática para atingir seus objetivos estratégicos na Ucrânia, analisa Barros.
O que não foi alcançado nem mesmo com o uso de mercenários bem treinados e equipados, como os do grupo paramilitar Wagner. Esse grupo tinha entre 8 mil e 9 mil combatentes à disposição antes de a guerra começar. Nem todos estão na Ucrânia, mas, segundo Barros, os que estão lutam como simples soldados de infantaria no leste ucraniano. O especialista acredita que o uso desses homens não terá um impacto significativo sobre o curso da guerra.
Armas nucleares para intimidar o Ocidente
Assim, não causa espanto que a Rússia apele para as armas nucleares para tentar intimidar os países ocidentais. "Essa ameaça não é nova", lembra Klein. O objetivo claro é minar o apoio do Ocidente à Ucrânia. Mas, militarmente, as armas nucleares de pouco adiantam. O recurso a elas tem um viés sobretudo político, avalia Klein.
Ela considera improvável que armas nucleares venham mesmo a ser utilizadas, pois, como consequência, Putin perderia até mesmo o apoio da China ou da Índia. Carpenter, porém, afirma que, se Putin tiver que escolher entre usar armas nucleares ou ter que responder por seus crimes num tribunal internacional, ele escolherá a opção nuclear.
"As forças russas precisam de uma pausa, pois estão exaustas", afirma Barros. Mas ele avalia que o Exército ucraniano realizará mais contraofensivas neste inverno europeu.
Carpenter comenta que a Rússia, no fundo, quer um fim rápido para a guerra, e que a Ucrânia e o Ocidente deveriam se mostrar dispostos a negociar. Já Klein, Barros e Luzin avaliam que a guerra só terminará quando Putin sofrer uma derrota total ou quando o Ocidente retirar seu apoio à Ucrânia.
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