Em audiência nesta quarta-feira (29/03), os representantes da montadora abandonaram a mesa de negociações, que envolviam o pagamento de R$ 165 milhões em indenização a 14 trabalhadores identificados como vítimas dos abusos. Parte desse montante também seria destinada à procura de outras vítimas e familiares.
As investigações do MPT remontam a casos ocorridos à época do regime militar (1964-1985) na chamada Fazenda Vale do Rio Cristalino, conhecida como "Fazenda Volkswagen", no município paraense de Santana do Araguaia.
A empresa nega as acusações. O procurador do trabalho Rafael Garcia, coordenador do grupo que investiga as denúncias, disse que a VW insistiu que não tem responsabilidade pelas violações ocorridas em sua propriedade.
"[A Volkswagen] rejeita todas as alegações apresentadas nos registros da presente investigação sobre a Fazenda Vale do Rio Cristalino e não concorda com as declarações unilaterais dos fatos apresentados por terceiros", diz a companhia.
O MPT apostava em um acordo extrajudicial com a Volkswagen. Dada a recusa da empresa em pagar a indenização proposta, voltou-se a analisar a judicialização do caso. Segundo Garcia, avalia-se inclusive recorrer a outros foros além da Justiça brasileira, levando em conta que a VW é de origem alemã.
"Lamentamos a postura da Volkswagen, que desrespeita trabalhadores que foram escravizados, tiveram sua dignidade e liberdade cerceadas dentro de sua propriedade por mais de dez anos", afirmou o procurador nesta quarta-feira.
O caso
A convite dos militares, a Volkswagen comprou 140 mil hectares de terras na região amazônica em 1973. A Fazenda Vale do Rio Cristalino deveria abrir uma nova área de negócios para o grupo: criação de gado. O projeto fazia parte da estratégia de desenvolvimento nacional naquela época.
A Volkswagen deveria contribuir para o desenvolvimento da floresta tropical brasileira e não apenas ganhar dinheiro com isso, mas também seguir o lema "integrar para não entregar" dos militares. Cálculos do MPT estimam que a "Fazenda Volkswagen" tenha recebido R$ 700 milhões em recursos públicos (em valores atualizados) para desenvolver o empreendimento.
Grandes partes da propriedade tiveram que ser desmatadas para dar lugar à fazenda de gado. Para desmatar e fazer o pasto no local, a fazenda contratou "gatos" – como eram chamados os empreiteiros – para recrutar trabalhadores temporários nas aldeias remotas da região e transportá-los para a fazenda.
Mas em vez dos empregos lucrativos prometidos, os empregados temporários eram obrigados a trabalhar para pagar supostas dívidas, sofriam violência e eram ameaçados, além de serem impedidos de deixar a região.
Testemunhas na investigação do MPT, ex-trabalhadores relatam que eles eram amarrados após tentativas de fuga, trabalhavam sob a mira de armas e falaram até em mortes no local.
Apesar do que alega a Volkswagen, o MPT acredita que tais violações na propriedade não poderiam ter ocorrido sem que a empresa tivesse conhecimento.
Padre documentou abusos
As acusações foram apresentadas em 2019 ao Ministério Público do Trabalho pelo padre e professor Ricardo Rezende Figueira, que documentou várias centenas de casos.
Figueira foi coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) para a região de Araguaia e Tocantins da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Por causa de seu trabalho, ele recebia regularmente ameaças de morte.
Em 22 de maio do ano passado, a Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro concedeu título de cidadão honorário a Figueira por causa de seu compromisso contra a escravidão moderna. O padre pesquisa e ensina sobre o tema na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e escreveu também um livro.
ek (DW, ots)
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