O diamante, que dizem trazer azar para homens que o trajam, sempre foi usado por mulheres. A primeira a exibi-lo foi a rainha Victoria, na forma de broche e diadema, seguida pelas rainhas consortes Mary e Alexandra, até finalmente ser usado na coroação da rainha Elizabeth 2ª, em 1953.
O gesto de Camilla de não usar o diamante para a coroação é notável. Mas por quê? O que torna o diamante um artefato histórico tão importante?
A história do Koh-i-Noor
O diamante de 105 quilates – que era uma peça de 190 quilates antes de chegar aos britânicos – tem uma longa história de conquistas. O Koh-i-Noor era uma joia de formato estranho. "Parecia uma grande colina ou talvez um enorme iceberg subindo abruptamente até formar um pico alto e abobadado", escreveram William Dalrymple e Anita Anand em seu livro de 2017 Koh-i-Noor: The History of the World's Most Infamous Diamond (Koh-i-Noor: a história do diamante mais infame do mundo).
A joia foi mencionada pela primeira vez pelo historiador persa Muhammad Kazim Marvi, que documentou a invasão da Índia pelo guerreiro Nader Shah em meados do século 18.
Os estudiosos não têm certeza de onde a pedra preciosa surgiu, mas acredita-se que ela foi peneirada das areias aluviais de Golconda, no sul da Índia. No início da Idade Média, ela teria então caído nas mãos de saqueadores turcos e depois passado pelas mãos de várias dinastias islâmicas na Índia até chegar nas mãos dos mongóis.
Eles, por sua vez, teriam perdido o diamante para o senhor da guerra persa Nader Shah, que o batizou de Koh-i-Noor, ou montanha da luz. Nader Shah o transferiu para seu guarda-costas afegão, Ahmad Shah Abdali, e assim a pedra preciosa permaneceu nas mãos dos afegãos por cem anos, até que Ranjit Singh, o rei de Punjab, conseguiu extraí-lo de um afegão em fuga em 1813.
Após a morte de Ranjit Singh em 1839, Punjab mergulhou no caos, permitindo que a Companhia das Índias Orientais conquistasse o reino. O filho de 10 anos de Ranjit Singh, Duleep Singh, foi então levado sob custódia britânica, enquanto o Koh-i-Noor foi entregue por seu guardião, Sir John Spencer Login, a Dalhousie, o governador-geral da Índia em 1855.
No intuito de documentar a história da pedra preciosa antes de apresentá-la à rainha, Dalhousie encarregou um jovem oficial, Theo Metcalfe, de pesquisar e escrever uma história do diamante.
A partir de então, o diamante ganhou fama, atingindo seu auge depois que a rainha Victoria o exibiu na Inglaterra. "Era um símbolo da dominação imperial da Grã-Bretanha vitoriana sobre o mundo e sua capacidade [...] de extrair de todo o mundo os objetos mais desejáveis e exibi-los em triunfo", escrevem Anand e Dalrymple em seu livro.
Atualmente, o diamante é reivindicado não só pela Índia, como também por Paquistão, Afeganistão e Irã.
Símbolo do imperialismo britânico
Ainda hoje, o Koh-i-Noor mantém sua fama e reputação como um símbolo da conquista britânica, uma grande razão pela qual os indianos estão exigindo sua devolução.
"Tem havido vários apelos para a devolução do diamante à Índia, de legisladores, ativistas e especialistas em patrimônio cultural. Argumentamos que o diamante e outras heranças saqueadas devem ser devolvidos como um símbolo de injustiça histórica", disse Anuraag Saxena, ativista de Cingarupa e fundador do India Pride Project, que faz campanha pela restituição de artefatos culturais indianos.
Também houve demandas de outros ativistas indianos para que o diamante fosse levado de volta à Índia. "Quando a rainha Elizabeth morreu, em uma das procissões, eu vi a coroa com o Koh-i-Noor", disse Venktesh Shukla, um investidor de origem indiana radicado em São Francisco, acrescentando ter ficado tão irritado com a exibição que lançou uma petição no Change.org para a restituição do diamante.
"Eles deveriam ter vergonha do que fizeram, de como conseguiram o Koh-i-Noor. E em vez de terem vergonha, estão se exibindo", continua ele, acrescentando que exibir a joia foi uma atitude arrogante por parte do Reino Unido.
Mais recentemente, em outubro de 2022, Arindam Bagchi, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Índia, disse que o governo "continuaria a explorar maneiras e meios para obter uma resolução satisfatória do assunto". Isso aconteceu depois de o governo indiano dizer em 2016 que o diamante era um presente para os britânicos.
Venktesh Shukla, porém, sente falta de um movimento de base, voltado a educar os britânicos sobre sua herança colonial. Enquanto isso, sua petição já reuniu mais de 9.600 assinaturas. Resta saber agora se tanto sua iniciativa como a do governo indiano realmente darão frutos.
Tradições imperialistas
No momento, a decisão do Palácio de Buckingham de manter o diamante fora dos holofotes parece ser um compromisso entre "refletir a tradição" e "ser sensível às questões atuais", disse ao tabloide britânico Daily Mail um membro da realeza que não quis ser identificado.
Mas a sensibilidade do palácio parece limitar-se ao Koh-i-Noor: a coroa da rainha terá em seu lugar os diamantes Cullinan 3, 4 e 5, todos partes de um grupo de pedras preciosas extraídas da África do Sul em 1905, quando o país ainda estava sob o domínio inglês. O fato de também essas joias serem símbolos do imperialismo britânico sugere que o gesto está longe de expressar um desejo genuíno de mudança.
No lugar do Koh-i-Noor, a coroa de Camila trará joias produzidas a partir do maior diamante bruto já encontrado, com 3.126 quilates (621 g). Das gemas que ele originou, a maior delas é chamada de Cullinan I ou Grande Estrela da África, que possuí nada menos que 530,2 quilates (106,04 g). Doada em 1907 pelo governo colonial ao rei Eduardo 7º em seu 66º aniversário, a pedra agora ornamenta o cetro que Charles irá segurar na cerimônia de sábado.
Uma petição online instando o rei Charles a devolver os diamantes Cullinan já foi assinada por mais de 8.000 pessoas.
No passado, outros políticos britânicos também enfatizaram sua relutância em devolver artefatos culturais. Em 2013, por exemplo, o então primeiro-ministro David Cameron fez a famosa observação de que era contra o "retornismo", referindo-se à restituição do diamante colonial.
Instituições imperiais como o Victoria and Albert Museum e o British Museum, que abrigam milhares de artefatos roubados de países colonizados, têm igualmente resistido às exigências de devolução dos objetos saqueados.
"Devolver nossos artefatos pode ser um simples ato dos britânicos para expiar os pecados de seu mórbido passado colonial", argumenta o ativista Saxena, acrescentando que países como Estados Unidos, Alemanha, França, Canadá e Austrália estão fazendo o mesmo.
"Não é a hora", questiona, de "o Reino Unido acompanhar o ritmo do resto do mundo?"
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