A facilidade do sistema de pagamento digital, através do sistema de pagamentos instantâneos do Banco Central, é um dos fatores por trás da proliferação de ofertas, mas cada vez mais o vício das apostas online também se destaca, por impulsionar o problema.
Basta uma pesquisa um pouco mais aprofundada nas redes para encontrar os primeiros riscos do crédito alternativo. Diversos usuários reclamam de taxas abusivas e afirmam que não conseguem pagar os valores acordados. Alguns denunciam golpes, não tendo recebido valor algum e, por vezes, pagado algum sinal adiantado. Ainda mais grave: crescem os relatos de extorsões por parte de grupos que emprestam dinheiro.
Em 2023, a polícia do Mato Grosso realizou uma operação contra a chamada "Gangue do Chicote", que se notabilizou no Estado por torturar suas vítimas com tal instrumento e postar as imagens na internet, como represália pelos supostos não pagamentos dos empréstimos.
Lena Carolina Forsman, advogada criminalista da firma Bialski Advogados, lembra que o crime de agiotagem – de menor pena, de seis meses a dois anos - normalmente ocorre associado a outras infrações mais graves. Além das somas abusivas cobradas, a especialista aponta um "efeito cascata" gerado pelos grupos, enquadrando lavagem de capitais, estelionato, falsidade ideológica e associação criminosa.
"A agiotagem é muito mais praticada do que se imagina. Percebemos um aumento, na adoção com o PIX ganhando protagonismo." Ela lembra que antes obter empréstimos era mais complicado, normalmente envolvendo dinheiro em espécie e demandando contato com assessores.
A educadora financeira e professora da FGV-IDE Ana Paula Hornos aponta que os contatos com agiotas acontecem muitas vezes por indicação de amigos que já utilizaram esses serviços, e "as redes sociais e o PIX facilitam essas transações, permitindo transferências instantâneas".
Segundo Forsman, a liberação de crédito de forma mais fácil e menos burocrática incentiva as vítimas a buscarem o serviço. Depois de enviada a verba, criminosos costumam utilizar técnicas de manipulação, como ameaças, retaliação contra familiares ou exposição social.
Sua experiência é que, por desconhecer as leis, muitas vítimas não buscam ajuda legal, uma parte sequer sabe como registrar uma denúncia relativa à questão. Além disso, há o medo de retaliações e o temor do eventual estigma social.
Apostas: um vício perigoso, sobretudo para os jovens
Recentemente ganhou o noticiário uma série de casos envolvendo ameaças de agiotas por dívidas de dezenas, ou até centenas de milhares de reais. Em comum, o vício das vítimas em apostas esportivas e cassinos online, como o conhecido Fortune Tiger, ou "Jogo do Tigrinho".
No começo de julho, o corpo do mecânico Marcos Roberto Machado foi encontrado numa rodovia próxima da cidade de Diamantino (MT). A família revelou à polícia que a vítima teria dívida de R$ 200 mil com um agiota, resultante de apostas no Jogo do Tigrinho.
Hornos observa uma forte tendência de avanço da agiotagem nesse meio: "O ciclo de dívidas geralmente começa com apostas aparentemente inofensivas e pequenas somas, vistas como uma forma de lazer. No entanto as perdas iniciais podem levar os indivíduos a apostar mais, na tentativa de recuperar o dinheiro perdido."
As apostas oferecem ainda a promessa de ganhos rápidos e fáceis, altamente atrativa para os jovens em busca de crescimento financeiro acelerado. "As dívidas de centenas de milhares geralmente resultam da combinação de apostas compulsivas e a utilização de empréstimos. Quando os indivíduos esgotam suas economias e os recursos de crédito formal, recorrem a agiotas, que oferecem empréstimos com juros exorbitantes. A tentativa de recuperar perdas substanciais leva a apostas cada vez maiores, aumentando rapidamente a dívida", avalia a educadora financeira.
Setor de apostas em alta
Uma pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) em junho mostra que o apelo das apostas é mais forte entre os jovens, e que também são eles que arriscam mais seu orçamento. Do total dos entrevistados, 29% dos apostadores têm de 25 a 34 anos; 22% de 35 a 44 anos; 15% de 18 a 24 anos; 13% têm 65 anos ou mais; 12% de 45 a 54 anos; e 10% de 55 a 64 anos.
Dos apostadores consultados no estudo, 64% afirmaram utilizar a renda principal para realizar as apostas online, e 63% tiveram parte do orçamento comprometido; 28% dos que deixaram de comprar algo têm entre 18 a 24 anos, contra apenas 5% entre os 55 a 64 anos.
Na visão de Hornos, a adrenalina e excitação associadas às apostas, combinadas com o reforço social entre amigos, a falta de experiência e o desenvolvimento incompleto da capacidade de avaliar riscos, tornam os jovens particularmente vulneráveis.
Uma regulamentação desse setor no Brasil está a caminho. Por outro lado, os cassinos online – onde se enquadra o Jogo do Tigrinho, por exemplo – não são permitidos no país, e as plataformas normalmente usam sedes no Caribe e em ilhas como Malta.
O mercado de apostas brasileiro já soma o equivalente a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, segundo estimativa da XP Investimentos sobre o setor. O relatório cita a agregadora de plataformas de apostas BNL, segundo a qual os brasileiros apostaram entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões em 2023. As empresas do setor faturariam cerca de 13% do valor circulado, ou seja, no mínimo R$ 13 bilhões.
O estudo da SBVC revelou ainda que 49% dos apostadores aumentaram a frequência de suas apostas em 2024. Uma pesquisa da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) sobre investidores no Brasil destacou o setor: em 2023, 14% dos brasileiros usaram as plataformas de apostas. Para 40%, deles, a atividade é uma forma de ganhar dinheiro rápido em momentos de necessidade, com 22% a considerando uma forma de investimento financeiro.
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