Na ocasião, o Itamaraty já havia sinalizado que a expulsão do embaixador Costa teria consequências. Fulvia Patricia Castro Matus ocupava o posto de embaixadora no Brasil desde maio. Segundo o jornal O Globo, ela já havia deixado Brasília na quarta-feira, quando o regime nicaraguense anunciou a expulsão do representante brasileiro.
Deterioração das relações
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mantinha uma relação de proximidade com Ortega desde 1980, quando viajou a Manágua para o primeiro aniversário da revolução sandinista, ocasião em que também conheceu pessoalmente o então líder cubano, Fidel Castro.
Mas a relação entre a Nicarágua e o Brasil passou a ficar estremecida em 2023, quando Lula, a pedido do papa Francisco, tentou intermediar junto a Ortega a libertação de um bispo católico encarcerado pelo regime da Nicarágua.
Lula chegou a tentar telefonar para Ortega, mas o ditador se recusou a aceitar a ligação. Já desde 2022, Ortega, que está no poder há 17 anos, intensificou uma ofensiva contra a Igreja Católica no país, confiscando imóveis, dissolvendo ordens e prendendo padres e bispos que denunciaram a guinada autoritária do regime.
Em julho último, Lula relatou a jornalistas sua frustração com a atitude do homólogo nicaraguense: "O dado concreto é que o Daniel Ortega não atendeu ao telefonema e não quis falar comigo. Então, nunca mais eu falei com ele, nunca mais. Ou seja, eu acho que é uma bobagem."
O bispo católico em questão, Rolando José Álvarez, havia sido declarado um "traidor" pelo regime de Ortega, condenado a 26 anos de prisão e teve sua cidadania cassada. Em janeiro de 2024, ele acabou sendo solto e expulso do país, junto com 14 padres. Desde então Álvarez vive exilado no Vaticano.
O episódio envolvendo a recusa de Ortega em falar com Lula não foi o único a estremecer a relação entre os países. Em junho de 2023, por exemplo, o Brasil também apoiou uma declaração da Organização dos Estados Americanos (OEA) que pedia democracia na Nicarágua.
Mas o gatilho para a expulsão do embaixador brasileiro na Nicarágua ocorreu em 19 de julho, quando ele evitou participar das celebrações no país pelos 45 anos da Revolução Sandinista. A data marca a derrubada, em 1979, da ditadura de Anastasio Somoza pelo movimento de esquerda sandinista, o qual Ortega originalmente liderou. Depois disso, a Nicarágua avisou que o embaixador teria que sair do país. O Itamaraty ainda tentou protelar a decisão, pedindo esclarecimentos, mas na quinta-feira a notícia da expulsão se tornou pública.
"Ditadura pura”
Em 2023, Ortega também teve atritos com a União Europeia, pois a Nicarágua retirou o agrément (consentimento) que havia concedido ao novo embaixador da UE no país, Fernando Ponz. Na ocasião, o chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, chamou a Nicarágua de "uma ditadura pura e dura".
Desde 2018, o regime de Ortega vem recrudescendo a perseguição a críticos do regime. Naquele ano, mais de 300 pessoas foram mortas por forças de segurança do governo, por protestarem contra reformas na seguridade social. A solidificação da guinda autoritária acentuou-se com as eleições gerais de 7 de novembro de 2021, nas quais Ortega foi declarado reeleito para um quinto mandato presidencial – o quarto consecutivo e o segundo juntamente com a mulher, Rosario Murillo, como vice-presidente –, depois de ter colocado na prisão seus principais adversários na disputa, ainda na pré-campanha.
A escalada autoritária também provocou uma fuga em massa do país. Tanto o grupo de direitos humanos Nicarágua Nunca Mais quanto o think-tank americano Inter-American Dialogue estimam que mais de 700 mil pessoas tenham deixado a Nicarágua desde 2018. O número equivale a 10% da população nicaraguense, estimada em pouco mais de 7 milhões.
As expulsões de embaixadores também ocorrem num momento em que Lula, ao lado dos presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e do México, Manuel Andrés López Obrador, tentam estabelecer canais de negociação por uma saída para a grave crise que se abriu na Venezuela após as eleições de 28 de julho.
A Nicarágua é um dos poucos países latino-americanos que reconheceu Nicolás Maduro como presidente venezuelano eleito após o pleito, considerado fraudulento por parte da comunidade internacional e pela oposição venezuelana.
jps/av (ots)
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