No entanto, Kamala Harris e sua equipe eleitoral aparam os golpes, virando a mesa. Também aqui, o povo das redes colabora, sobretudo através do TikTok: canais que normalmente se ocupam das celebridades do showbiz dão a Kamala tratamento de ícone pop.
A figura de culto é uma política alegre, capaz de rir com vontade de si mesma, que sabe neutralizar as campanhas viciosas e vez por outra também revida. Como ao mencionar que, na carreira advogada, encontrou malfeitores de todo tipo: "Criminosos que abusam de mulheres, estelionatários e vigaristas que violaram as regras em benefício próprio. Podem me acreditar: eu conheço caras como Donald Trump."
Harris-Walz: uma nova dosagem de graça e liderança
A democrata faz o ex-presidente literalmente subir pelas paredes ao tachá-lo de weird – esquisito, bizarro, anormal –, para então, com a devida seriedade "estatal", se dedicar aos complexos temas de campanha. Com essa tática, secundada por seu não menos bem-humorado candidato a vice, Tim Walz, ela consegue marcar pontos, analisa a especialista em humor e coach Eva Ullmann.
"Na campanha eleitoral americana, a questão não é só humor. Do ponto de vista político, a dupla Harris-Walz mantém uma linha clara, é capaz de se impor e tem status elevado. Não são comediantes, não é desse jeito que querem se apresentar, mas seu humor tem algo bem simpático e sólido, inclusivo, e isso é muito desarmante."
Seu grande trunfo em relação a Trump, é que "não são, nem de longe, tão desrespeitosos": "E justamente isso, parece, é o tiro que saiu pela culatra para Trump e o séquito dele, pois a sociedade está dizendo: 'Ah, não, a gente não está mais a fim disso. Estamos de saco cheio dessa eterna degradação, humilhação, ódio, não queremos mais essa forma de humor.'"
Autora de Humor ist Chefsache (Humor é assunto de chefia), Ullmann está convicta de que a cultura do riso está em transformação: "Por muito tempo, humor nas posições de poder esteve associado à forma agressiva que Trump pratica. Mas isso não basta para liderar bem os colaboradores."
"Essa descoberta de que também existe um humor que enaltece o outro, que não ridiculariza, é realmente uma tendência nova nos círculos executivos. O maior medo em relação ao humor, para quem está no poder, é não ser levado a sério: eles têm medo de cair no ridículo, de ser o palhaço."
Gelotofobia, de Aristóteles a motivo de guerra
Esse medo tem raízes profundas na história da humanidade. Certos cientistas comportamentais estão convencidos de que o riso aparece bem nos primórdios da comunicação, e que o homem primitivo já ria antes de saber falar. O psicólogo e especialista em riso Michael Titze explica como, mais de 400 mil anos atrás, um riso divertido podia se transformar em ameaça.
"Dentro do grupo de pares, a risada transmitia uma sensação de proximidade, conexão e conforto. Tão logo duas tribos se confrontavam, porém – talvez competindo pelo mesmo território de caça – o riso dos outros podia significar: 'Fomos vencidos, eles dominam e estão rindo da gente.' Isso de ser ridicularizado é algo bem arcaico – e de que todo político tem medo."
O riso já era politizado desde a Antiguidade. Para o filósofo grego Platão, ele é uma ameaça ao Estado: quem se entrega ao riso não está mais em condições de pensar racionalmente e perde poder. Seu discípulo Aristóteles, por outro lado, gostava de rir e defendia a tese de que o riso é o que distingue o ser humano do animal.
Talvez a história mundial transcorresse diferente se a humanidade tivesse seguido a visão de Aristóteles. Mas não: veio o cristianismo e com ele uma religião que, por longo tempo, condenou a graça e o riso. Ao longo dos séculos, essa postura se flexibilizou, mas o temor ancestral de perda de poder segue entranhado em certas mentes.
O receio exagerado do ridículo tem até nome científico: gelotofobia. E em algumas regiões ele é ainda mais pronunciado do que no Ocidente: um estudo de 2009, realizado em 73 países por encomenda da Universidade de Zurique, constatou que em determinadas culturas – por exemplo, no Oriente Médio ou na Ásia, onde se dá grande valor à honra e a manter a fachada – o riso é percebido de maneira bem diferente.
"Lá, submeter ao ridículo, rir de alguém, pode desencadear reações inacreditáveis, até mesmo resultar em guerra", conta Titze. "Isso mostra como o riso é algo extremamente ambivalente."
Alguns casos são irremediáveis
De volta a Kamala Harris: ela tem a capacidade de neutralizar os aspectos negativos do riso dos outros, analisa Titze. "Ela é criticada e começa a rir com gosto, de um modo que enfraquece os adversários." Esse jeito vivaz também é uma forma de comunicação: "Como se ela dissesse: 'Olha só como eu estou fazendo, então se você quiser, venha comigo e fazemos o resto juntos'."
É possível que Harris tenha conseguido motivar seu running mate Tim Walz justamente assim. Afinal, já na primeira ocasião em que dividiram o palanque, ele agradeceu, não só pela confiança em escolhê-lo como eventual vice-presidente, mas, acima de tudo, "por ter trazido a alegria de volta".
Muitos eleitores americanos também veem a situação assim, e a popularidade de Harris sobe nas pesquisas. Por seu lado, Trump e companhia estão precisando adotar uma outra tática: pelo menos em questão de humor, não vai ser fácil vencer a candidata democrata.
"O potencial individual para o humor é inato", afirma o psicólogo Michael Titze. "O riso tem origem genética. Não há como aprender humor, como fingi-lo ou forçá-lo, pois aí vai parecer falso."
Quanto a Trump – cujo humor muita gente não acha nem um pouco engraçado –, talvez seu caso seja irremediável. A coach Eva Ullmann só tem um conselho para o ex-astro de TV: "Não se candidatar a presidente dos Estados Unidos."
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