"Este tem sido o pior ano para o combate, para as operações. O comportamento do fogo está muito extremo, tem rajadas de vento muito fortes e as chamas mudam de direção toda hora", afirma Ana Canut, chefe de operações do Prevfogo, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama).
Canut falou com a DW direto da Terra Indígena do Xingu, Mato Grosso (MT). A missão dela é estabelecer as prioridades da operação, mobilizar as equipes e manter estratégia e tática de acordo com o planejado. No Xingu, pelo menos dois grandes incêndios estão ativos há quase um mês e o mais importante no momento é proteger as aldeias, já que existe o risco de elas serem atingidas.
É praticamente impossível apagar o fogo na Amazônia com trabalho humano direto. A alta temperatura impede que brigadistas cheguem muito perto, e despejar água da aeronave é pouco eficiente. A copa das árvores impede que água chegue em grande quantidade sobre as chamas de forma eficaz.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, estão mobilizados 3.518 profissionais em campo neste momento. A maior parte deles, 2.728, são do Ibama e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os demais integram as Forças Armadas e Força Nacional. Dão apoio às operações 29 aeronaves.
Linha de defesa na Amazônia
Numa floresta úmida, como é o caso da Amazônia, o fogo consome o que está mais perto do solo. Ele é alimentado principalmente pelas folhas caídas no chão – material chamado de serrapilheira –, e pela vegetação rasteira. As chamas dificilmente chegam a consumir a copa das árvores por completo.
Quando o incêndio já está instalado, a estratégia mais usada de combate é a abertura de linhas de defesa na floresta. A técnica prevê a remoção da vegetação em volta da área crítica para "cortar" o combustível que mantém o incêndio.
"A gente chega, faz um reconhecimento e analisa o comportamento do fogo. Se ele está ‘pequeno', a gente faz o combate direto. Quando ele está muito intenso, a gente fica mais longe e faz as linhas de defesa", detalha Macsuel Juruna, brigadista em ação na Terra Indígena Capoto Jarina (MT), no baixo Xingu.
A linha de defesa interrompe a ligação entre o material seco disponível – folhas, galhos, vegetação seca – e o fogo. "Se o fogo chegar ali, ele não vai passar. E se passar, o brigadista está ali cuidando e vai combater. Por isso é fundamental a vigilância na linha de defesa", detalha Marivaldo Gonçalves, combatente do Prevfogo de Rondônia com 13 anos de experiência.
Depois que o fogo é confinado numa área, o trabalho é de controlar o perímetro do incêndio, extinguir as chamas menores e monitorar a área até que não haja mais possibilidade de reignição.
Quando há tempo para planejar ações, a estratégia é construir aceiros, que é a "limpeza" da vegetação seca que alimenta o fogo. "Ela é feita antes do incêndio, quando se quer proteger uma área. A largura do aceiro é feita na proporção dos incêndios na região: pode ter um dois, quatro metros", explica Marcio Yule, que atua no Prevfogo desde 1995.
O uso da água
Aquela cena de aviões ou helicópteros despejando água nas chamas não é comum no Brasil. As aeronaves, um recurso caro, são mais usadas para transportar brigadistas e equipamentos até as zonas afetadas, afirma Calut.
A água é importante para abastecer as bombas que as equipes carregam nas costas durante o combate. Esses equipamentos armazenam vinte litros de água e disparam jatos manuais com o objetivo de resfriar a temperatura. Desta forma, os brigadistas conseguem chegar mais perto do fogo com um outro equipamento-chave: o soprador.
"O soprador foi um equipamento revolucionário no combate. Ele tira o oxigênio do lugar que está queimado e varre o material que está queimando para a parte já queimada. Ele é equivalente ao trabalho de até oito pessoas com abafador", comenta Amilton Sá, brigadista voluntário e coordenador-executivo da Rede Contra o Fogo, que atua no Cerrado.
Em várias partes do país, os incêndios já chegaram a regiões remotas, de difícil acesso por terra ou rio. O transporte em aeronaves poupa esforço dos combatentes e melhora o tempo de resposta, dizem os especialistas ouvidos pela DW.
"Cada caso é avaliado com cuidado. A gente despeja água da aeronave quando as chamas estão muito altas na floresta para baixar as chamas e o brigadista conseguir chegar mais perto do fogo. Aeronave jogando água sem o brigadista estar na linha de defesa não tem eficiência. Ele precisa estar embaixo para fazer o trabalho de extinção", explica Gonçalves.
Sempre que possível, motobombas portáteis são usadas. Esse equipamento precisa ser instalado perto de um rio, de onde a água é retirada e despejada sob pressão direto nas chamas por meio de mangueiras. Mas com a seca, o acesso à água em algumas regiões está mais difícil.
"Uma brigada comum quase nunca tem helicóptero, quase nunca tem motobomba. O trabalho essencial é do brigadista, que carrega a bomba manual nas costas, o soprador e o abafador", diz Yule.
Fogo antes do tempo
Da base de Corumbá, Márcio Yule diz que a situação no Pantanal de Mato Grosso do Sul está mais tranquila neste começo de outubro. A preocupação é com o fogo ardendo no estado vizinho, Mato Grosso, e nos países que estão na fronteira, Paraguai e Bolívia.
A temporada de incêndios começou mais cedo em 2024. Em junho, mês em que brigadistas são contratados para ações de prevenção, segundo o calendário oficial, o cenário já estava crítico. Não deu tempo para nada: pela primeira vez na história, os ingressantes já começaram o trabalho fazendo combate, diz Yule.
No Pantanal, há um perigo extra trazido pelo fogo de turfa – subterrâneo e de difícil combate. A estratégia para extingui-lo é construção de trincheiras até o solo mineral para que não haja passagem do combustível da área que está ardendo para a que ainda não queimou.
"Este é o fogo que mais degrada pois consome matéria orgânica do subsolo, queima raízes, plantas, microrganismos, causa grandes danos e degrada o solo", lamenta Yule, lembrando que o Pantanal enfrenta diminuição de área alagada histórica.
Um levantamento prévio ainda não concluído indica que cinco grandes incêndios no Pantanal foram os responsáveis pela maior parte destruição. Até o início de outubro, a área queimada chegou a 21 mil km², o equivalente a 14% do bioma. Em 2020, que registrou uma temporada de fogo severa, foram queimados 29 mil km².
"A responsabilização de quem iniciou o fogo é extremamente importante para combater isso. É preciso identificar e punir", defende Yule.
No fim de setembro, donos de uma fazenda localizada em Corumbá foram multados em R$ 100 milhões. Segundo o Ibama, eles são responsáveis por incêndios de grandes proporções que destruíram uma área equivalente ao dobro da cidade de São Paulo.
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