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Cena de aviões ou helicópteros despejando água nas chamas não é comum no BrasilSem prazo para acabar, operações contra incêndios dependem menos de água e mais de brigadistas para confinar chamas em perímetro seguro.O poder e a duração das chamas desafiam o planejamento de combate aos incêndios na Floresta Amazônica nesta temporada. Sem previsão de chuva consistente no horizonte, a operação contra o fogo em várias regiões, que costumava ser encerrada no início de outubro, não tem data para acabar neste ano de seca recorde com sinais de agravamento da crise climática.

"Este tem sido o pior ano para o combate, para as operações. O comportamento do fogo está muito extremo, tem rajadas de vento muito fortes e as chamas mudam de direção toda hora", afirma Ana Canut, chefe de operações do Prevfogo, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama).

Canut falou com a DW direto da Terra Indígena do Xingu, Mato Grosso (MT). A missão dela é estabelecer as prioridades da operação, mobilizar as equipes e manter estratégia e tática de acordo com o planejado. No Xingu, pelo menos dois grandes incêndios estão ativos há quase um mês e o mais importante no momento é proteger as aldeias, já que existe o risco de elas serem atingidas.

É praticamente impossível apagar o fogo na Amazônia com trabalho humano direto. A alta temperatura impede que brigadistas cheguem muito perto, e despejar água da aeronave é pouco eficiente. A copa das árvores impede que água chegue em grande quantidade sobre as chamas de forma eficaz.

Segundo o Ministério do Meio Ambiente, estão mobilizados 3.518 profissionais em campo neste momento. A maior parte deles, 2.728, são do Ibama e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), os demais integram as Forças Armadas e Força Nacional. Dão apoio às operações 29 aeronaves.

Linha de defesa na Amazônia

Numa floresta úmida, como é o caso da Amazônia, o fogo consome o que está mais perto do solo. Ele é alimentado principalmente pelas folhas caídas no chão – material chamado de serrapilheira –, e pela vegetação rasteira. As chamas dificilmente chegam a consumir a copa das árvores por completo.

Quando o incêndio já está instalado, a estratégia mais usada de combate é a abertura de linhas de defesa na floresta. A técnica prevê a remoção da vegetação em volta da área crítica para "cortar" o combustível que mantém o incêndio.

"A gente chega, faz um reconhecimento e analisa o comportamento do fogo. Se ele está ‘pequeno', a gente faz o combate direto. Quando ele está muito intenso, a gente fica mais longe e faz as linhas de defesa", detalha Macsuel Juruna, brigadista em ação na Terra Indígena Capoto Jarina (MT), no baixo Xingu.

A linha de defesa interrompe a ligação entre o material seco disponível – folhas, galhos, vegetação seca – e o fogo. "Se o fogo chegar ali, ele não vai passar. E se passar, o brigadista está ali cuidando e vai combater. Por isso é fundamental a vigilância na linha de defesa", detalha Marivaldo Gonçalves, combatente do Prevfogo de Rondônia com 13 anos de experiência.

Depois que o fogo é confinado numa área, o trabalho é de controlar o perímetro do incêndio, extinguir as chamas menores e monitorar a área até que não haja mais possibilidade de reignição.

Quando há tempo para planejar ações, a estratégia é construir aceiros, que é a "limpeza" da vegetação seca que alimenta o fogo. "Ela é feita antes do incêndio, quando se quer proteger uma área. A largura do aceiro é feita na proporção dos incêndios na região: pode ter um dois, quatro metros", explica Marcio Yule, que atua no Prevfogo desde 1995.

O uso da água

Aquela cena de aviões ou helicópteros despejando água nas chamas não é comum no Brasil. As aeronaves, um recurso caro, são mais usadas para transportar brigadistas e equipamentos até as zonas afetadas, afirma Calut.

A água é importante para abastecer as bombas que as equipes carregam nas costas durante o combate. Esses equipamentos armazenam vinte litros de água e disparam jatos manuais com o objetivo de resfriar a temperatura. Desta forma, os brigadistas conseguem chegar mais perto do fogo com um outro equipamento-chave: o soprador.

"O soprador foi um equipamento revolucionário no combate. Ele tira o oxigênio do lugar que está queimado e varre o material que está queimando para a parte já queimada. Ele é equivalente ao trabalho de até oito pessoas com abafador", comenta Amilton Sá, brigadista voluntário e coordenador-executivo da Rede Contra o Fogo, que atua no Cerrado.

Em várias partes do país, os incêndios já chegaram a regiões remotas, de difícil acesso por terra ou rio. O transporte em aeronaves poupa esforço dos combatentes e melhora o tempo de resposta, dizem os especialistas ouvidos pela DW.

"Cada caso é avaliado com cuidado. A gente despeja água da aeronave quando as chamas estão muito altas na floresta para baixar as chamas e o brigadista conseguir chegar mais perto do fogo. Aeronave jogando água sem o brigadista estar na linha de defesa não tem eficiência. Ele precisa estar embaixo para fazer o trabalho de extinção", explica Gonçalves.

Sempre que possível, motobombas portáteis são usadas. Esse equipamento precisa ser instalado perto de um rio, de onde a água é retirada e despejada sob pressão direto nas chamas por meio de mangueiras. Mas com a seca, o acesso à água em algumas regiões está mais difícil.

"Uma brigada comum quase nunca tem helicóptero, quase nunca tem motobomba. O trabalho essencial é do brigadista, que carrega a bomba manual nas costas, o soprador e o abafador", diz Yule.

Fogo antes do tempo

Da base de Corumbá, Márcio Yule diz que a situação no Pantanal de Mato Grosso do Sul está mais tranquila neste começo de outubro. A preocupação é com o fogo ardendo no estado vizinho, Mato Grosso, e nos países que estão na fronteira, Paraguai e Bolívia.

A temporada de incêndios começou mais cedo em 2024. Em junho, mês em que brigadistas são contratados para ações de prevenção, segundo o calendário oficial, o cenário já estava crítico. Não deu tempo para nada: pela primeira vez na história, os ingressantes já começaram o trabalho fazendo combate, diz Yule.

No Pantanal, há um perigo extra trazido pelo fogo de turfa – subterrâneo e de difícil combate. A estratégia para extingui-lo é construção de trincheiras até o solo mineral para que não haja passagem do combustível da área que está ardendo para a que ainda não queimou.

"Este é o fogo que mais degrada pois consome matéria orgânica do subsolo, queima raízes, plantas, microrganismos, causa grandes danos e degrada o solo", lamenta Yule, lembrando que o Pantanal enfrenta diminuição de área alagada histórica.

Um levantamento prévio ainda não concluído indica que cinco grandes incêndios no Pantanal foram os responsáveis pela maior parte destruição. Até o início de outubro, a área queimada chegou a 21 mil km², o equivalente a 14% do bioma. Em 2020, que registrou uma temporada de fogo severa, foram queimados 29 mil km².

"A responsabilização de quem iniciou o fogo é extremamente importante para combater isso. É preciso identificar e punir", defende Yule.

No fim de setembro, donos de uma fazenda localizada em Corumbá foram multados em R$ 100 milhões. Segundo o Ibama, eles são responsáveis por incêndios de grandes proporções que destruíram uma área equivalente ao dobro da cidade de São Paulo.