De um lado estão os chineses, russos e iranianos, com posições basicamente anti-Ocidente; enquanto egípcios, emiradenses e sauditas mantêm um equilíbrio delicado entre suas parcerias ocidentais e os fortes laços econômicos com Pequim. Por exemplo: todos os membros do Brics, exceto Índia e Brasil, fazem parte da Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative).
Até mesmo este último, apesar de não integrar a iniciativa, está sendo cortejado pela China, que compra um terço das exportações brasileiras. Por sua vez, a Índia é o único membro do Brics com laços econômicos crescentes com o Ocidente e relações cada vez mais tensas com Pequim.
A rivalidade entre os dois gigantes asiáticos se deve sobretudo às tensões latentes ao longo de sua fronteira de facto, denominada Linha de Controle Real (LAC, na sigla em inglês), cuja extensão, segundo os indianos, seria de 3.488 quilômetros, mais do que lhe atribuem os chineses.
Brics em processo de transição
A Índia está a caminho de se transformar na terceira maior economia, depois dos Estados Unidos e da China. Enquanto isso, a África do Sul e o Brasil são atualmente "economias em dificuldades", afirma Harsh Pant, vice-presidente do think tank indiano Observer Research Foundation.
"Então, os contornos entre os cinco membros originais também mudaram. E o ingresso de novos atores está tornando o bloco ainda mais caótico", uma vez que a agenda do grupo se desvia para discussões extensas sem produzir resultados significativos.
Nova Déli é agora parceira de alianças estratégicas com o Ocidente com o fim de se contrapor à China no Indo-Pacífico – como o grupo Quad, completado pela Austrália, Estados Unidos e Japão. "O desafio é o que fazer com uma plataforma como o Brics, pois há contradições bastante evidentes, e não acho que possam ser ocultadas", prossegue Pant.
Sreeram Chaulia, decano da Jindal School of International Affairs, também vê o bloco dos emergentes em processo de transição: "Se não tivesse ocorrido essa ampliação, seria só um clube de bate-papo, sem muito valor para a Índia, nem estratégico nem econômico. Mas agora que houve a expansão, há uma competição, e não queremos ceder esse espaço para a China."
As nações do Brics ampliado são responsáveis por mais de 37% do PIB global, mais do que o dobro do que o da União Europeia. Tanto o bloco europeu quanto os EUA veem, na aposta chinesa de ampliar o círculo inicial de cinco países, parte de uma campanha por maior influência global.
"A China está definitivamente considerando o Brics+ como um veículo para atingir o Ocidente, e é o que vem tentando. Mas nesta rodada de expansão, ela não teve a última palavra", explica Chaulia. Mais recentemente, Pequim também acolheu a candidatura do Paquistão, com rápido apoio pela Rússia. Porém, segundo observadores, as chances de o arqui-inimigo da Índia ser aceito no heterogêneo bloco são mínimas.
"O que é que países altamente endividados, resgatados várias vezes pelo FMI, vão poder contribuir para o Brics? Ele vai se transformar num clube de mendigos, em vez de um clube dos capazes de ajudar aos outros", critica Chaulia. "Acho que o Brics vai ser contestado, e para a China não será fácil conduzi-lo ou dominá-lo, mas ela tem, de fato, muitos trunfos."
Uma pesquisa da Universidade de Stanford indicou que a potência asiática é a maior credora do mundo, com a maioria dos empréstimos indo para países em desenvolvimento. Por outro lado, apesar de ter cerca de um quinto do tamanho da China, a Índia possui tanto a grande economia que cresce mais rápido, quanto a maior população jovem. Ela vem defendendo um mecanismo para incluir mais parceiros no Brics – um tópico que provavelmente será decidido na cúpula de Kazan.
Índia buscando vantagens num mundo multipolar
Segundo certos especialistas, a Rússia é um outro ponto focal para a Índia: esta tem laços profundos com Moscou em defesa e tecnologia, setores em que vê a necessidade de contrabalançar a influência de Pequim.
"A China forneceu aos russos um baluarte contra a Ocidente que a Índia não é capaz, nem gostaria de dar", analisa Pant. "O desafio para a Índia aqui é manter uma relação com a Rússia que sirva a seus interesses básicos, seja defesa, a Ásia Central ou energia."
Não obstante, o ex-secretário de Relações Econômicas do Ministério do Exterior indiano Rahul Chhabra sugere que Moscou talvez não esteja sempre alinhada com Pequim: "A China não é um ponto cego para a Rússia, elas têm as suas questões entre si, que possivelmente não vêm à tona a toda vez, mas que estão lá."
O político – que esteve presente na cúpula do Brics de 2010, quando a África do Sul foi admitida – lembra que o bloco não pode ser visto isoladamente de outras plataformas disponíveis para Nova Déli. Assim, a nova ampliação também significaria para o país outras possibilidades de avançar seus próprios interesses econômicos.
Além disso, o Brics seria único por abarcar tanto grandes produtores quanto grandes consumidores de petróleo – enquanto até mesmo a Opep é apenas um grupo de produtores: "Com o Irã, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes agora na jogada, cerca de 40% do petróleo está nas mãos desse grupo", enfatiza Chhabra.
"Se eles conseguirem usar os mecanismos do Brics de pagamento e outros para saldar as contas, o impacto será grande." Quanto ao atual debate sobre a dolarização dentro do bloco, isso "certamente beneficiará a China e também a Índia".
Atualmente o país depende profundamente da Rússia e do Irã para cobrir sua demanda energética. O ex-secretário ministerial indiano reitera que toda plataforma é importante num mundo multipolar onde a Índia está tratando de cuidar dos próprios interesses, "e esta é uma plataforma onde estamos ditando as regras, como parte dos cinco pioneiros": "É uma tela em branco, o que quer que a gente desenhe, é o que se poderá fazer dela."
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