Fundação Padre Anchieta

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Reprodução da Internet
Reprodução da Internet Ricardo III

Ouça o programa completo:


Ricardo III é um ator. Um hipócrita. Repare que a raiz é essa mesma: o que é um ator senão um fingidor? Aquele que se traveste de máscaras para convencer a audiência de que ele é Romeu, Don Juan, João Grilo? E é este exercício de cinismo que preenche toda a estrutura dessa deslumbrante e assustadora personagem. Shakespeare opera pelo registro da farsa: ele mostra para a plateia o ator em seu camarim – mostra o nosso Ricardo III se preparando para entrar em cena antes do início do espetáculo quando o espetáculo já começou – e logo na sequência lá está ele em ação, todo paramentado para enganar as personagens em cima do palco através do mais rasteiro melodrama. Ele mente dizendo para nós: vejam como estou mentindo! O espectador não é só cúmplice das tramoias deste tirano vigarista, como é o seu interlocutor direto.

Shakespeare é um inventor de sinfonias humanas, suas personagens são figuras falantes. Nestes tempos de repetições e barulhos infinitos, é interessante recorrer a ele com calma. Essa desaceleração forçada pode render bons frutos, principalmente porque a palavra colocada no palco teatral é analógica, artesanal, e ela tem essa espetacular capacidade de refletir a imagem de quem somos no cotidiano distraído da vida.

É o ano de 1477. Ricardo, Duque de Glócester, ambiciona tornar-se Rei da Inglaterra - ele que havia com suas próprias mãos assassinado Henrique VI, o antigo dono da coroa, e, desta forma, recuperado para a casa dos York uma dinastia surrupiada pelos Lancaster desde o golpe de estado que subtraiu Ricardo II do trono. Lembre-se de que toda essa pendenga é o enredo central de um conflito entre famílias intitulado Guerra das Rosas: Rosas Vermelhas de um lado, os Lancaster, e Rosas Brancas de outro, os York. E dá-lhe cabeças sendo decapitadas e voando de lá para cá. Um verdadeiro carnaval de cartas empilhadas: cai um rei de espadas, sobe um rei de ouros, damas de paus em confronto com valetes de copas... e assim sucessivamente até chegar onde estamos.

Enfim, antes a briga era entre York e Lancaster, agora é entre York e York, uma prova de que para a estupidez humana não há cor de uniforme que impeça o time de entrar em campo. E o capitão desse escrete miraculoso é Ricardo, o tirano sanguinário. Ele que vai se casar com a viúva do homem que matou (e depois com uma sobrinha!), arrumar alianças com milicianos assassinos e reunir uma corte de paus-mandados – incluindo falsos bispos – que formam ao seu redor uma rede de segurança que o impedirá de cair, ou assim ele pensa, porque o fim de todo tirano, já diz a história, é um só. Mas o fato a se considerar é reconhecer que o tal do centrão político, atento ouvinte, também é uma invenção de Shakespeare. Esse balaio de gente de terno e gravata que sustenta os mais absurdos desvarios a título de nos convencer de que tiranos assassinos estão a serviço do bem comum. Atual, não?

E este é um programa que tenta comprovar que Shakespeare é o grande decifrador da alma humana. Seja na Inglaterra elisabetana ou no Brasil de hoje, ele permanece sempre vivo, bastante próximo a cada um de nós.