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Esta é uma história sobre o poder e sobre a luta pelo poder. Uma disputa sobre quem tem o direito ao melhor lugar na pista de dança neste baile ininterrupto cujo maestro é Sir William Shakespeare. No exato instante, é o ardiloso Cardeal Wolsey quem figura no centro da festa com sua sapatilha ligeira e gingado sedutor, vejam só que rapidez nos movimentos, que perícia diplomática, que espetáculo de performance ao fazer do Rei Henrique VIII um aliado e amigo de primeira ordem!
Shakespeare é safado! Ele está de com um olho em você e o outro na banda, pronto para acelerar o andamento para temperar com mais pimenta o balé todo. Nesta Grande Pista de Dança do Mundo onde suas figuras são convocadas a desfilar, ele sabe que para haver teatro é necessário depositar uma bela duma casca de banana no caminho dos seus dançarinos, bem lá, no centro do palco, e tudo diante do espectador que é convocado a ser cúmplice e testemunha da queda que virá depois de um rodopio magnífico.
Eu sou o Duque de Buckingham, o leal amigo do rei. E como bom servidor público só estou esperando o momento certo para interromper essa festa dançante, apanhar o microfone da banda e botar a boca no trombone: O CARDEAL WOLSEY É UM VIGARISTA! Mas, enquanto isso, vamos mexer o esqueleto. O Cardeal Wolsey é um falso religioso, isso no mínimo, e um conspirador nato. Mas é também minúsculo, porque sua maldade tem ambições domésticas. Jamais chegaria aos pés dum Iago, Ricardo III, jamais! Esse desgraçado espalhou a notícia de que eu almejo o lugar do rei, uma vez que na ausência de herdeiros de sangue o posto máximo da coroa da Inglaterra caberia a mim..., eu que sempre fui fiel ao magnânimo Henrique. Wolsey canalha! O meu ritmo preferido é o bolero.
Esta é a história destes dançarinos em seus instantes de evolução na pista de dança até que uma casca de banana interromperá suas performances. Todos eles irão dar com o nariz no chão, exceto o Rei Henrique que será poupado por Shakespeare nesta que é a peça em que ele mais tece elogios à monarquia. Mas não o critiquemos. Nesta altura do campeonato Shakespeare já estava aposentado, Henrique VIII é a última contribuição de Shakespeare à dramaturgia. Ele já tinha escrito Hamlet, Rei Lear, Romeu e Julieta, Otelo, MacBeth... para que o sujeito iria querer arrumar problemas com o poder oficial de seu tempo? Melhor atirar confetes para o alto mesmo, oh sábio Shakespeare.
Olá, o meu nome é Henry Wolsey, o arrogante Cardeal de York – o arrogante eu deixo coloco na conta dos meus detratores. Eu sou o anfitrião desta festa. Uma bela comemoração às conquistas que me são imputadas em razão de um proveitoso acordo de paz firmado entre França e Inglaterra. Proveitoso para mim, evidentemente, para mim e para minha conta bancária que, com a graça de Deus, dobrou de dividendos. O próximo passo agora é fazer o Rei Henrique despachar aquela Rainha Espanhola, que além de espanhola, não foi capaz de gerar um herdeiro para o magnânimo. Ele deve se casar com outra, com uma francesa, aí então as coisas ficariam perfeitas para o erário público... e para mim também, evidentemente. Deus está no comando. Sou cardeal, mas não sou santo. E o meu ritmo preferido... é o tango!
E este é um programa que tenta comprovar que Shakespeare é o grande decifrador da alma humana. Seja na Inglaterra elisabetana ou no Brasil de hoje, ele permanece sempre vivo, bastante próximo a cada um de nós.
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