Ouça o álbum completo:
De vez em quando a gente topa com um músico totalmente fora da caixinha, que não obedece a nenhum parâmetro convencional em sua carreira. E quando tem talento, aí o círculo virtuoso se completa. É o caso de Paul Wee, nascido na Austrália de pais que por sua vez nasceram em Cingagupa e na Malásia. Paul Choon Kiat Wee, este é seu nome completo, começou a estudar piano aos 4 anos. Aos 12 já solou um concerto no Royal Albert Hall em Londres. Mudou-se em seguida para Nova York com a família para estudar com Nina Svetlanova na Escola de Música de Manhattan.
Tudo ia bem. Mas, naquele momento, Wee conta o seguinte: “Não me sentia seguro de que desejava levar minha vida como um turista solitário, de cidade em cidade, e tocando sempre o mesmo repertório noite após noite. Com certeza, perderia minha alegria de fazer música, que sempre tive desde criança”.
Nova virada na vida. Retornou à Inglaterra, e estudou direito na Universidade de Oxford. Conquistou sólido prestígio com sua banca advocatícia especializada em direito internacional. Mantém um escritório em Londres.
Em 2015, plenamente realizado no mundo do direito – e quando todo mundo considerava sepultada sua carreira pianística, Wee deu dois recitais na Sociedade Alkan, em Londres. O Alkan que dá nome à entidade remete ao compositor francês Charles-Valentin Alkan, que nasceu em 1813 e morreu em Paris em 1888. Contemporâneo e amigo de Chopin durante os 19 anos em que o polonês morou em Paris, entre 1830 e 1849, herdou os alunos de Chopin. Dono de uma portentosa obra para piano solo, foi totalmente esquecido – só sendo reabilitado nas duas últimas décadas. Sua escrita é extraordinariamente virtuosa, exige muito do pianista – talvez por isso muitos o tenham ignorado.
Pois Paul Wee tocou a “Sinfonia para piano solo” e o “Concerto para piano solo” de Alkan, duas das mais desafiadoras criações do compositor. O acaso quis que o produtor do recital, Mike Spring, enviasse a Robert von Bahr o áudio do recital Dono e diretor artístico do selo BIS, Von Bahr é conhecido aqui no Brasil por ter feito acordo com a Osesp na gestão Neschling e ter lançado os CDs da orquestra brasileira no mercado internacional. O CD lançado em 2019 provocou um choque no reino da mídia especializada. Wee revelou-se um notável pianista – que ninguém conhecia.
Pois em 6 de novembro de 2020, já em plena pandemia, a BIS lançou um álbum duplo com duas horas e 18 minutos de música com Paul Wee que constituíram outra revelação surpreendente. O álbum intitula-se “Sigismond Thalberg – a arte do canto”. Uma aventura pianística extraordinária que deve ser ouvida como mais do que mera curiosidade ou excentricidade pianística.
Paul continua no mesmo diapasão, promovendo gravações de atrevimentos pianísticos hoje um tanto esquecidos. Como, por exemplo, a incrível versão para piano solo da “Sinfonia Eroica”, a terceira de Beethoven, uma das peças mais aplaudidas em suas turnês por toda a Europa e até a Rússia, nos anos 1830/40. Não é o caso de outra transcrição, menos conhecida, do concerto K. 466, de Mozart para piano e orquestra realizado pelo talismã de Paul Wee, o francês Alkan. O mesmo Alkan que o relançou como pianista, em 2019.
O recém-lançado CD do mesmo selo BIS é outro assombro. Não parece haver obstáculo técnico intransponível para Paul Wee, nem mesmo os que Liszt costuma oferecer a quem se arrisca a tocar suas transcrições para piano solo de alguma das nove sinfonias de Beethoven.
O item mais diferenciado deste álbum, o CD desta Semana na Cultura Fm, é a transcrição que Alkan fez para piano solo do conhecido concerto em ré menor, no. 20, catálogo Koechel 466, para piano e orquestra.
A cada semana o crítico musical João Marcos Coelho apresenta aos ouvintes da Cultura FM as novidades e lançamentos nacionais e internacionais do universo da música erudita, jazz e música brasileira. CD da Semana vai ao ar de terça a sexta dentro da programação do Estação Cultura e Tarde Cultura.
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