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John Eliot Gardiner completou 80 anos no último dia 20 de abril. Na verdade, não precisamos de uma efeméride para saudar um dos mais notáveis músicos da atualidade. Mas a ocasião serve para um singelo tributo aqui, na seção CD da Semana da Cultura FM.

Ele fundou o Coro Monteverdi, os English Baroque Soloists e a Orchestre Révolutionnaire et Romantique, assim mesmo, em francês. Gravou basicamente para a Erato francesa até 1989, quando foi contratado pela Deutsche Grammophon. Esta, por sua vez, descartou-o em 2005, em plena crise da era do CD. Gardiner criou então sua própria gravadora, a SDG, iniciais de Soli Deo Gloria, as palavras que Johann Sebastian Bach costumava colocar no final de seus manuscritos musicais. Nos últimos 18 anos diversificou bastante sua atuação. Além de ter construído, em mais de 250 gravações, uma espécie de cânone próprio da execução historicamente informada da música antiga e barroca, vocal e instrumental, Gardiner tem gravado com sucesso repertórios do século 19 e 20 com orquestras como a Sinfônica de Londres.

Cada um tem sua epifania particular em relação a Gardiner. A minha aconteceu em 2019, num concerto dos English Baroque Soloists, na Sala São Paulo. Desde a curta “Jehova, quam multi sunt hostes mei”, de Purcell, peça de abertura daquele concerto, soou cristalino o credo artístico deste que é um dos maiores músicos do nosso tempo: “Injetar paixão e expressividade na interpretação da música barroca vocal”. As dezenove vozes incrivelmente homogêneas dos integrantes do Coro Monteverdi pareciam integrar-se numa só e riquíssima voz. Resultado de ensaios diários e da escolha meticulosa dos coralistas, disse-me entusiasmado no intervalo Marco Antonio da Silva Ramos, titular de regência coral no Departamento de Música da ECA-USP. “Ele recruta vozes pela homogeneidade timbrística em relação ao conjunto”.

Na generosa antologia lançada pela Warner Classics e que é o CD desta semana na Cultura FM, entre as 41 faixas distribuídas por maravilhosas 2 horas e 53 minutos de música há apenas duas de Bach, seu ídolo maior. É praticamente uma playlist variadíssima, que vai de Purcell a Haendel, de Gluck a Tchaikovsky, de Berlioz a Chabrier.

Quero chamar a atenção de vocês para um formidável e personalíssimo livro que Gardiner escreveu em 2013 sobre Bach, intitulado “Music in the Castle of heaven”, Música no castelo do céu. Sâo 700 páginas que nos mostram um novo Bach, acredite. Um Bach que compôs mais música instrumental do que religiosa, ao contrário do que supomos.

Desde a meninice em Dorset – quando cantava aos domingos na igreja corais de Bach – John Eliot se perguntava: “Quem era este homem capaz de compor uma música de tal modo complexa que nos deixa inteiramente medusados, e em outros momentos ritmada de modo tão irresistível que gostaríamos de nos levantar e dançar quando a escutamos, e em outros momentos ainda tão plena de emoção perturbadora que nos sentimos tocados no mais profundo de nosso ser?"

Eu deveria ter escolhido um álbum com obras de Bach como CD desta semana. Mas preferi mostrar a vocês como Gardiner mantém um grau de excelência permanente em sua prática musical – não só do barroco, mas também da música romântica e do século 20.

A cada semana o crítico musical João Marcos Coelho apresenta aos ouvintes da Cultura FM as novidades e lançamentos nacionais e internacionais do universo da música erudita, jazz e música brasileira. CD da Semana vai ao ar de terça a sexta dentro da programação do Estação Cultura e Tarde Cultura.