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Reprodução da Internet.
Reprodução da Internet. Yuja Wang

Ouça o álbum completo:


As gerações mais recentes de músicos têm recorrido à tática do erotismo escancarado, para alcançar um lugar ao disputadíssimo sol dos eleitos pelas mídias de todas as naturezas. Em um tempo em que até quem não tem nada a dizer sobre si mesmo se sente com direito a expor suas vísceras nos palcos digitais, isso soa até normal.

É justo que os músicos também lancem mão deste recurso de marketing para se promoverem. Justíssimo quando topamos com alguém de real talento. O truque parece novo, mas é mais que centenário. As primeiras décadas do século 19 assistiram ao triunfo do piano como instrumento hegemônico da vida musical. Como ele podia, sozinho, substituir uma orquestra em casa, virou rei nas noites pós-jantar das famílias de classe média europeias. Tocar a quatro mãos virou coqueluche, porque propiciava um inédito contato físico mais íntimo, digamos, entre aluna e professor. Críticos e moralistas chegaram a acusar o piano pelo colapso da música de câmara, chamando-o de ‘usurpador tirânico’, porque “encorajava a imoralidade ao permitir que os casais se sentassem muito perto enquanto tocavam a quatro mãos”.

Outro tanto se especulou, lançando-se suspeitas moralistas de que algo mais acontecia entre a pianista e seu partner no rico repertório das sonatas. Franz Liszt, de vida amorosa amoral para os padrões da época, encarnava o super-herói fruto do desejo das moçoilas que se estapeavam por um lugar na primeira fila de seus recitais.

Temos hoje não um super-herói, mas uma super-heroína no reino da música de concerto (tal como a vitaminada e erotizada Mulher Maravilha no mundo masculino dos super-heróis das telonas e telinhas).

A pianista chinesa Yuja Wang, que completou 36 anos em fevereiro passado, formada no Conservatório Central de Beijing, com curso no célebre Curtis Institute da Filadélfia, nos Estados Unidos, vem “causando” há bons quinze anos. De um lado, é uma pianista extraordinária, que leva no sangue o DNA de uma Martha Argerich, ainda hoje, aos 81 anos, um furacão diante das 88 teclas do piano.

Yuja tem um corpo escultural que explora por meio de vestidos tão ousados que já foi chamada de “stripper” por um horrorizado crítico norte-americano mais conservador. Fendas inacreditáveis provocam a imaginação dos homens e a inveja contida das mulheres. Uns a desejam, outras a desqualificam por causa do que veste. Ora, o que interessa é sua performance ao piano. E ela já disse mais de uma vez em entrevistas que se sente como uma atriz no palco. Isto é, encarna uma “persona”.

Ainda bem que seu erotismo explícito combina-se com elevada qualidade artística. Seu álbum, “The American Project”, lançado em março passado, é apenas a prova mais recente de seu talento extraordinário. E ao lado do maestro Michael Tilson Thomas, ou MTT, como os norte-americanos costumam chama-lo. Ele afastou-se da Orquestra de São Francisco, que regeu por décadas, após constatação de um câncer no cérebro anos atrás. E numa rara aparição, rege Yuja e a Oquestra de Louisville numa primeira gravação mundial.

O álbum é o registro de uma apresentação de 9 de janeiro de 2022 no Kentucky Center em Louisville. Eles promoveram a primeira execução mundial do ‘Concerto para Piano” de Teddy Abrams, tão pirotécnico quanto a “Rhapsody in Blue” de Gershwin ou “West Side Story”, de Leonard Bernstein. Possivelmente, sem a carga de originalidade das duas obras citadas, mas com muita verve, vibração e energia.

Teddy Abrans estudou com MTT desde os 11 aninhos. É um de seus pupilos diletos. Maestro e compositor, escreve música com facilidade e muito swing. Tem espantosos onze movimentos, entre tuttis e cadências. A ideia original era acoplá-lo num concerto ao lado da Rhapsody in Blue, mas ele acabou ganhando vida própria.


A cada semana o crítico musical João Marcos Coelho apresenta aos ouvintes da Cultura FM as novidades e lançamentos nacionais e internacionais do universo da música erudita, jazz e música brasileira. CD da Semana vai ao ar de terça a sexta dentro da programação do Estação Cultura e Tarde Cultura.