Ouça o álbum completo
Escolhi o álbum “Impressões da Infância” como CD da Semana na Cultura FM por causa da faixa-título, um ciclo admirável de peças para violino e piano do compositor romeno Georges Enescu. E acabei descobrindo uma excelente violinista, Sarah Nemtanu, de 42 anos, francesa de origem romena. Ela foi spalla da Orquestra Nacional da França desde 2002 e vem construindo uma carreira sólida. É bem possível que vocês a tenham visto interpretando o Concerto de Tchaikovsky no filme “O Concerto”, de 2009. Neste álbum lançado em março passado pela gravadora francesa Alpha Classics, ela nos mostra seu panteão particular de obras preferidas, ao lado do pianista Romain Descharmes. E elas são, claro, francesas e romenas. Se no centro estão as “Impressões da infância”, à sua volta comparecem Ravel e Debussy, assinando cada um uma sonata.
Mas voltemos ao motivo que me levou a escolher este álbum. Foi mesmo a peça de Enescu, também romeno que fez da França, Paris particularmente, seu segundo lar. Ele nasceu em Liveni-Virnav, na Romênia, em 19 de agosto de 1881 (a cidade onde nasceu hoje leva seu nome). Menino-prodígio, a família conseguiu levá-lo a Viena, onde fez seus estudos musicais. Lá estudou violino com Helmesberger e teoria com Fuchs, além de ter tido a chance de conhecer Brahms.
Na sequência, estudou no Conservatório de Paris, cidade na qual radicou-se e construiu toda a sua carreira. No conservatório, foi colega de classe de Maurice Ravel, e aluno de violino de Marsick; Massenet e Fauré deram-lhe aulas de contraponto e composição. Rapidamente fez fama internacional como grande virtuose e teve entre seus alunos Yehudi Menuhin, que sempre o considerou seu maior mestre. Enescu também foi excepcional pianista e ótimo maestro. Fez música de câmara com Alfred Cortot, Pablo Casals e Dinu Lipatti; fundou um quarteto de cordas com seu nome. Sua produção total é de 32 opus. Pouco se pensarmos nos compositores dos séculos anteriores, como Haydn, Mozart ou Beethoven. Pra vocês terem uma ideia, Enescu é o Bartók da Romênia. Sua única ópera, “Édipo” e sua produção camerística e sinfônica são injustamente desconhecidas fora das fronteiras de seu país.
Agora, a título de degustação você vai ouvir quatro das dez partes de “Impressões da Infância”. Antes, algumas informações sobre as circunstâncias de composição da peça: o ano era 1940. A França estava derrotada e era controlada pelos nazistas. Enescu, que vivera e atuara em Paris por quarenta anos, voltou a Bucareste. Em 10 de abril concluiu este que é um dos mais originais ciclos para violino e piano da literatura musical do século 20.
O título pode parecer ingênuo, mas a obra é audaciosa. Exige técnica excepcional dos dois instrumentistas. Na verdade, é um grande poema em dez episódios retratando, segundo o compositor, os momentos de um dia cheio de imagens, depois de uma noite povoada de visões inquietantes, enfim de uma manhã que dissipa os medos e pesadelos de uma criança na zona rural da Moldávia. Enescu mantém, com a sabedoria de um mestre, a dualidade de um realismo quase onomatopaico, reproduzindo os cantos de pássaros, por exemplo, com um conteúdo musical enigmático salpicado de sonho e irrealidade. Alain Cophignon afirma que este ciclo se assemelha às cenas infantis de Schumann, com o que concordo. O que importa, porém, é a imensa qualidade desta música que nos toca na primeira audição.
A cada semana o crítico musical João Marcos Coelho apresenta aos ouvintes da Cultura FM as novidades e lançamentos nacionais e internacionais do universo da música erudita, jazz e música brasileira. CD da Semana vai ao ar de terça a sexta dentro da programação do Estação Cultura e Tarde Cultura.
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