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Enrico Nicola Mancini nasceu no dia 16 de abril de 1924 numa cidadezinha chamada Little Italy, no Estado norte-americano de Ohio. Exatamente cem anos atrás. Como 100% dos imigrantes italianos que chegaram aos borbotões aos Estados Unidos naquelas primeiras décadas do século 20, americanizou logo seu nome para Henry. E foi assim que o mundo o conheceu como um dos mais inteligentes, argutos e maiores mestres da arte da trilha sonora em Hollywood. Ele também é o compositor de algumas das mais celebradas e populares canções do século 20: “Passo do Elefantinho”, “Two for the road”, o tema da “Pantera Cor-de-Rosa” e duas gemas espetaculares: “Moon River” e “Days of Wine and Roses”.
A verdade é que o sucesso comercial obscurece a real dimensão de um músico. É como se sucesso não pudesse rimar com qualidade artística. Quase sempre as concessões acabam por levar talentos promissores à riqueza material e ao naufrágio artístico. Só os iluminados equilibram-se na corda bamba das exigências da indústria cultural e ainda assim constroem obras de alta qualidade de invenção.
Conhecido basicamente por trilhas como a de “Bonequinha de Luxo”, “Arabesque”, “Pantera Cor-de-Rosa” e pelas séries de TV que marcaram época como “Peter Gunn” e “Mr. Lucky”, ele só gravou um disco no qual contrabandeia três composições suas não ligadas ao seu ofício no cinema.
Inaugurou a dinastia dos compositores de trilhas sonoras que olharam para a riqueza da música norte-americana. E o que havia de mais consistente, do ponto de vista musical, naquele momento, a segunda metade dos anos 50? O jazz das big bands e o das orquestras de estúdio. Ora, Mancini estudou com Max Adkins, o mesmo professor de Billy Strayhorn, compositor-arranjador alma gêmea de Duke Ellington. Conheceu o major Glenn Miller quando serviu ao exército na Segunda Guerra (e depois foi o diretor musical de “The Glenn Miller Story”, um de seus primeiros trabalhos). O jazz dos anos 35-45 foi seu berço sonoro, e nele o músico embalou-se até o fim da vida.
Certeiro, Gene Lees, parceiro de Mancini e crítico de jazz, escreveu que não se deve perguntar, como os puristas dos anos 50/60 repetiram incansavelmente, o que Mancini fez com o jazz, mas sim o que ele fez pelo jazz, mantendo-o vivo e conquistando novos círculos de audiência por meio de novos canais como a TV e o cinema, numa fase em que Elvis e os Beatles pareciam ocupar todos os espaços.
Pouco se escreveu sobre Mancini após sua morte, trinta anos atrás, em 14 de junho de 1994. Mas ele ganhou 4 Oscars, 20 Grammies e compôs a trilha de cerca de 80 filmes. Tinha o talento específico para preencher as expectativas do momento artístico e econômico que a indústria do cinema vivia na virada dos anos 50/60. Os grandes estúdios queriam ganhar dinheiro também no mundo da música gravada: as vendas triplicaram entre 1955 e 1959. A ordem era transformar os discos de trilhas em novas fontes de arrecadação paralelas à bilheteria. A pressão por trilhas sonoras comercialmente exploráveis resultou numa série de mudanças nas práticas dos compositores em Hollywood.
Corria o ano de 1959. Captando no ar as novas exigências da música de cinema e TV, Mancini levou para a empreitada toda a sua paixão pelo jazz e pelas big bands. Não clonou nenhumas delas, porém. Usou seu vocabulário. Grande melodista, adotou ali o padrão que faria imenso sucesso nas décadas seguintes: compunha entre 8 e 10 temas dignos de qualquer um dos grandes songwriters da era de Tin Pan Alley; escolhia um instrumento solista como destaque timbrístico que dava o toque de originalidade. O restante ficava por conta dos dotes de improvisadores dos músicos.
Por tudo isso, o melhor tributo, neste centenário, é degustarmos seu talento de arranjador liderando um grupo seleto de músicos de jazz. É isso justamente que acontece em “Combo”, o CD desta semana na Cultura FM.
É curioso que “Combo”, embora não seja de trilha, soa exatamente igual aos das trilhas. Gravado em 1960, no início da fase gloriosa de Mancini, traz um grupo de onze notáveis jazzmen. Participam, além de dois músicos da família Nash, o trombonista Dick e o saxofonista Ted, o trompetista Pete Condoli, um dos mais íntimos amigos de Mancini; o genial Art Pepper ao clarinete; Larry Bunker na marimba e vibrafone; e o baterista Shelly Manne. A cereja no chantilly é a presença destacada de um cravo, pilotado por Johnny Williams. No repertório, três temas autorais convivem com nove arranjos e improvisos refinados de criações de terceiros.
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