Ouça o álbum completo:
Acompanho há décadas o pianista norte-americano Fred Hersch, hoje com 68 anos. Músico completo, vive hoje as delícias da plena maturidade. Foi um dos primeiros a enfrentar publicamente a aids, num tempo em que ela significava morte certa. Mas ele a venceu tomando 33 comprimidos diários. Ele conta esta odisseia toda em sua autobiografia “Good things happen slowly” [tradução livre: As coisas boas acontecem devagar], de 2017. Fez de sua doença uma bandeira pública contra o preconceito. Teve sólida formação clássica.
A epígrafe que abre o livro dá a medida de seu refinamento. São versos do poeta norte-americano Walt Whitman, traduzidos livremente: “Depois que o deslumbramento do dia se foi,/ Só a escura noite mostra aos meus olhos as estrelas; /Após o clangor do órgão majestoso, ou coro, ou banda perfeita,/ Silencioso, contra minha alma, move-se a sinfonia verdadeira”.
Órgão, coro, banda, sinfonia. A música para ele não tem adjetivos, desde que possua dois atributos: a qualidade de invenção; e o gosto do risco, do perigo, razão de sua paixão maior, o jazz: “Eu amo jazz – e o grande jazz tem que ter uma pitada de perigo, mesmo que não soe selvagem ou louco. Às vezes, apenas mudar um pequeno detalhe no momento pode abrir uma porta musical”. Mas, confessa, também adora rhythm’n’blues e música brasileira. Gravou um belo álbum com Luciana Souza em 2003.
Durante a pandemia lançou um dos álbuns mais interessantes de piano solo deste período tão difícil para o planeta, intitulado “Songs from home”. Foi em novembro de 2020. Música improvisada, densa. É por isso que a maior estrela do piano clássico no planeta hoje, o russo Igor Levit, de estreou em recital no Carnegie Hall as “Variações sobre uma canção folclórica (“Shenandoah”) de Hersch.
Em 2022lançou “Breath by Breath” (Palmetto Records), em que propunha um novo olhar para a música de câmara, gênero eminentemente clássico. Seu trio de jazz – onde toca ao lado do contrabaixista Drew Gress e do baterista Jochen Ruckert -- contracena com o Crosby String Quartet.
Chegamos ao CD desta semana, ‘Silent, Listening”. Silêncio, ouvindo, literalmente. Foi gravado em maio de 2023 no estúdio da ECM em Lugano, o preferido de Manfred Eicher, o capo da gravadora que derrubou, com engenho e arte, os muros que separaram por muito tempo a música dita erudita da música improvisada, de caráter popular. Sete composições próprias e um passeio seleto por standards de músicos especiais como Billy Strayhorn e Russ Freeman.
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