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Fabyo Cruz - AGÊNCIA CENARIUM

BELÉM (PA) - A Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, continua a ser um dos temas mais controversos e debatidos na Amazônia. Desde o início das obras do complexo localizado nas proximidades do município de Altamira (PA), os impactos ambientais e sociais provocados pelo projeto têm sido amplamente denunciados pelas comunidades locais e por estudiosos da área. Entre as vozes mais ativas na luta por justiça está o Conselho Ribeirinho do Reservatório de Hidrelétrica Belo Monte, fundado em 2016 para defender os direitos das famílias afetadas.

Inicialmente composto por 28 membros, o conselho enfrenta hoje um cenário de resistência reduzida, com apenas 12 integrantes ativos. Dentre eles, destaca-se Maria Francineide Ferreira dos Santos, de 54 anos, uma das principais vozes na busca por dignidade e reparação para os ribeirinhos deslocados pela usina.

Em entrevista à CENARIUM, Maria Francineide expressou o clamor das famílias ribeirinhas por um território digno. “Nós nunca pedimos por uma hidrelétrica e nunca aceitamos uma hidrelétrica. Nós nascemos e fomos criados nas margens do rio Xingu, dentro das ilhas, nas margens do Igarapé. Então, a gente foi deslocado por essa grande empresa”, desabafou. A declaração reflete a profunda relação que os ribeirinhos tinham com o ambiente, um modo de vida interrompido pela chegada de Belo Monte.

Francineide é originária da comunidade de Paratizinho, uma das mais afetadas pela construção. Desde 2012, os moradores foram forçados a abandonar suas casas e aguardam, até hoje, o reassentamento prometido. Segundo ela, as transformações no ecossistema são devastadoras.

“Nós não tínhamos muitas bactérias, hoje temos. Não tínhamos muito capim no rio, hoje temos só capim. Nós tínhamos muito peixe, hoje não temos mais”, disse. A perda da biodiversidade e as mudanças ambientais severas têm dificultado a subsistência das famílias ribeirinhas.

Pesquisa sobre impactos

As consequências da construção de Belo Monte não é um caso isolado. Uma pesquisa que já dura mais de uma década oferece um panorama sombrio dos impactos das grandes hidrelétricas na Amazônia. O estudo é liderado por Emilio Moran, professor da Universidade Estadual de Michigan (EUA) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Iniciado em 2013, a pesquisa focou inicialmente em Belo Monte, mas foi ampliado em 2020 para incluir as usinas de Jirau e Santo Antônio, todas no Rio Madeira.

Professor da Universidade Estadual de Michigan coordena estudos sobre os impactos de Belo Monte (Divulgação)

Os resultados indicam que esses megaprojetos têm deixado um legado predominantemente negativo para as populações locais, que se veem como “áreas de sacrifício” em nome do desenvolvimento nacional. Entre os principais problemas estão a perda dos modos de vida tradicionais, degradação ambiental e desafios sociais como a falta de infraestrutura básica, incluindo abastecimento de água e coleta de esgoto, além de um aumento expressivo nos custos de energia.

A atividade pesqueira, por exemplo, foi duramente atingida, com pescadores relatando a necessidade de mais esforço para capturar menos pescado, sendo as espécies capturadas de menor porte e valor econômico. O uso da terra também sofreu alterações significativas, com a perda de florestas e expansão de pastagens, prejudicando a agricultura de várzea e intensificando o desmatamento, inclusive em áreas protegidas.

Divulgação e reflexão

Os resultados dessa pesquisa serão apresentados em setembro durante os eventos nas universidades federais de Rondônia e do Pará, sob o título "Hidrelétricas na Amazônia: e depois?". Os encontros reunirão pesquisadores, representantes de comunidades ribeirinhas e indígenas, além de autoridades governamentais, visando discutir os desafios e buscar soluções para um futuro mais justo e sustentável na Amazônia.

As apresentações ocorrerão em Porto Velho (RO) em 4 de setembro, na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), e em Altamira (PA) no dia 9 do mesmo mês. O encontro no Pará deve ocorrer no campus da Universidade Federal do Pará (UFPA). A expectativa é que os debates contribuam para uma maior conscientização e ações efetivas em prol das populações afetadas por esses megaprojetos na Amazônia.