Comunidades tradicionais acusam empresa Hydro por violação de direitos
Povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas do Vale do Acará, localizado no município homônimo, no nordeste do Pará, acusam a mineradora norueguesa Norsk Hydro por praticar ações destrutivas e consequências devastadoras para o meio ambiente e às comunidades locais.
19/09/2024 11h42
Fabyo Cruz - DA AGÊNCIA CENARIUM
BELÉM (PA) – Povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas do Vale do Acará, localizado no município homônimo, no nordeste do Pará, acusam a mineradora norueguesa Norsk Hydro por praticar ações destrutivas e consequências devastadoras para o meio ambiente e às comunidades locais. Eles alegam ainda que supostas licenças ambientais fraudulentas foram concedidas pelo governo do Pará, sob a gestão de Helder Barbalho (MDB), e cobram providências do Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU) e governo federal para investigar as ações da empresa na região.
À CENARIUM, a liderança quilombola e presidente da Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes Quilombolas do Alto Acará (Amarqualta), Josias Santos, conhecido na comunidade como Jota, expressou preocupação sobre as graves violações socioambientais e de direitos humanos supostamente praticadas pela Hydro. De acordo com Jota, a empresa obteve uma liminar que permite realizar desmatamentos e assorear igarapés no território quilombola sem a devida consulta prévia, como estabelece a Convenção N. º 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais.
"A empresa Hydro conseguiu uma liminar na Comarca de Acará, que nos obriga a permitir a sua entrada, realizar desmatamento, assorear os igarapés e causar todos os impactos ambientais e sociais, sem que possamos reagir. O pior é que a empresa não realizou o estudo do componente quilombola, nem elaborou o Plano Básico Ambiental Quilombola (PBAQ). Apesar de termos o direito à consulta prévia, conforme a Convenção 169, não fomos consultados ou informados sobre nada. Isso é uma violação grave dos nossos direitos", afirmou Jota.
O caso se agravou, na manhã dessa terça-feira, 17, com a resistência de outros povos tradicionais da região, como os Turiwara, que bloquearam as atividades da empresa em seu território. Em resposta, a mineradora utilizou a mesma liminar para reprimir os indígenas, resultando em um confronto tenso entre a Polícia Militar do Pará (PMPA) e a comunidade, que apenas recuou após a intervenção da Justiça, conforme informou Josias Santos.
“O governo do estado apoia essa situação, tanto através da Secretaria de Meio Ambiente, que concede a licença de operação, quanto pelo envio de forças de segurança para nos obrigar a abrir mão dos nossos direitos e ficar em silêncio. Nossos vizinhos, os indígenas Turiwara, que fazem fronteira com o território quilombola, interditaram e paralisaram os trabalhos em sua área, afirmando que, enquanto a empresa não cumprir suas obrigações – incluindo o estudo do componente indígena e o diálogo adequado com eles como povo que tem seus direitos garantidos pela Constituição e pela Convenção 169 – não permitirão a continuidade das atividades”, declarou.
Manifesto
Na segunda-feira, 16, foi divulgado um manifesto que reuniu povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas da região do Vale do Acará. O documento aponta que mais de 600 famílias estão sendo diretamente afetadas pela expansão da rede de minerodutos da empresa, que devasta rios e florestas em uma extensão de 300 quilômetros. A carta denuncia que, além de desmatar e poluir, a empresa viola direitos constitucionais dos povos tradicionais e descumpre prazos para consultas e estudos de impacto ambiental.
“Em 12 de agosto, a Juíza Emília Parente de Medeiros, titular da Comarca de Acará, concedeu uma liminar que garante à Hydro o direito de violar nossos territórios e destruí-los, e de ameaçar as vidas humanas e não-humanas dos nossos ecossistemas. A decisão também prevê multa diária astronômica de R$ 500.000,00 ao dia – determinada claramente para nos destruir como entidade da sociedade civil – e, ainda, a prisão de quem obstruir a passagem dos maquinários da empresa. Em novembro do ano passado, a Hydro já tinha tentado criminalizar lideranças indígenas e quilombolas junto à justiça para garantir suas operações em nossos territórios”, diz um trecho do documento.
O manifesto finaliza ao afirmar que “se o alumínio é um dos metais que favorecem a transição energética, saibam que não será uma transição energética justa, considerando o rastro de destruição que sua produção causa aos povos da Amazônia. Que o mundo saiba quem são vocês, os responsáveis pela destruição e pelas mudanças climáticas! Que a Noruega, maior acionista da Norsk Hydro, seja responsabilizada pelos danos causados à Amazônia, tanto no Vale do Acará, como em Barcarena, onde centenas de famílias estão contaminadas com metais pesados decorrentes das operações desta empresa!”.
A reportagem solicitou um posicionamento à empresa Hydro e à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas). Em nota, a Hydro informou que a "manutenção preventiva do mineroduto em Acará (PA) foi paralisada no dia 13 de setembro de 2024, após pessoas, que se identificaram como indígenas Turiwara e que informam viver aos arredores da Terra Indígena Turé-Mariquita, impedirem o acesso de funcionários da Mineração Paragominas (MPSA) às suas faixas de servidão situadas na região do Acará".
A empresa acusou os indígenas de de realizarem "bloqueios ilegais que impedem tais atividades de manutenção de extrema importância" e defendeu que "faixas de servidão do mineroduto e linha de transmissão não passam pelo território indígena Turiwara, tampouco estão em zona de influência". A Semas não se posicionou até a publicação da reportagem.
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