Star Wars e Star Trek são duas das principais franquias de ficção cientifica da cultura pop. As produções possuem fãs no mundo inteiro e abrem espaço para as pessoas produzirem novas histórias dentro do universo.
Mas, nos anos 1990, um grupo de autores notou que a grande maioria das produções sci-fi não tinham qualquer referência à cultura negra. Como as grandes franquias não tinham elementos que se comunicavam com grande parte do seu público? Esse foi um debate iniciado por Mark Dery.
A partir de estudos e entrevistas com intelectuais, Dery lançou, em 1994, a obra chamada "Black to the Future”, referência ao filme “Back to the Future” ("De Volta para o Futuro"). Foi a primeira vez que o conceito de “afrofuturismo” apareceu.
O que é afrofuturismo?
Segundo a Academia Brasileira de Letras, o afrofuturismo é um movimento cultural, estético e político que se manifesta no campo da literatura, cinema, fotografia, moda, arte e música, a partir da perspectiva negra, e utiliza elementos da ficção científica e da fantasia para criar narrativas de protagonismo negro, por meio da celebração da identidade, ancestralidade e história africana.
Apesar de ser um movimento relativamente novo, já causou grande impacto pelo mundo inteiro. A obra mais popular do movimento é “Pantera Negra”, super-herói da Marvel que vive num país ficcional chamado Wakanda e possui uma tecnologia capaz de desenvolver todo o seu povo.
Para Guilherme Gabriel, autor de geografia do Sistema de Ensino pH, o movimento é muito importante para estimular novas discussões e valorizar aspectos culturais dos povos africanos.
“O afrofuturismo estimula novas discussões e perspectivas, reorganizando o olhar sobre o passado, em uma valorização dos aspectos culturais, artísticos, identitários dos povos africanos e criando condições de propor novas opções de futuro para a humanidade. A arte é o meio que pode permear amplamente nossa sociedade ajudando a construir essa visão”, afirma.
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Mesmo o movimento nascendo nos Estados Unidos, Gabriel acredita que o Brasil tem um potencial de criação maior do que os norte-americanos.
“Considerando nossa configuração demográfica e socioeconômica e, também, o quanto as culturas africanas fundam e estão presentes em nossa cultura, principalmente nas expressões artísticas, o Brasil tem todo potencial para se tornar um grande polo de produção dentro do afrofuturismo”, explica.
Afrofuturismo no Brasil
Por aqui, temos criadores de conteúdo investindo em produções desse gênero, principalmente na literatura. Em participação no Roda Viva, a escritora Ana Maria Gonçalves não falou de uma obra especifica, mas ressaltou a importância do movimento.
“O afrofuturismo me permite pensar em um futuro que não tenha sido tocado pela escravidão. Ou que não tenha sido tocado por tudo que os negros sofrem no mundo hoje em dia. A imaginação é um instrumento muito importante. A possibilidade de construção social, ela só é possível se, algum dia, for imaginada. O afrofuturismo é um projeto de fuga, mas uma fuga muito consciente de um mundo de possibilidades”, disse em sua participação no programa.
Outro autor que está se destacando no país é Ale Santos, duas vezes finalista do Prêmio Jabuti, o mais importante prêmio da literatura brasileira. Com “O Último Ancestral”, ele mostrou que é possível criar uma história afrofuturista brasileira.
O livro se passa no Distrito de Nagast, num futuro ultratecnológico. A história se passa em Obambo, favela para onde quase toda a população negra foi exilada pelos Cygens, híbridos de homens e máquinas.
“'O Último Ancestral' é meu universo, chamo de multiverso ancestral, que estou construindo com a editora HarperCollins”, afirma o escritor.
Na entrevista exclusiva ao site da TV Cultura, Santos explica que, apesar de escrever ficção há mais de dez anos, só se declarou afrofuturista em 2019. Para esse novo gênero, ele classifica de extrema importância o momento do manifesto.
“Em 2019, uma editora me convidou para publicar ficção. Aí eu já me assumi totalmente afrofuturista, então falei 'isso é uma coisa muito importante na definição do afrofuturismo'. A declaração do autor é algo muito recente. Você pode olhar pra trás e falar que o Carlinhos Brown tem nuances afrofuturistas, mas quem se declara conscientemente está produzindo apenas há três ou quatro anos”, explica.
Antes de se assumir publicamente como autor afrofuturista, Santos já escrevia obras de ficção. Chegou a representar o Brasil em concursos e usava Tolkien como referência. Foi justamente a adaptação de Pantera Negra para os cinemas que causou uma mudança no seu modo de pensar e produzir.
“Esse processo de me enxergar também foi um processo de enxergar a minha ficção como uma ficção negra. Quando esse termo aparece, por conta da Disney, várias pessoas começam a falar que esse é o espaço delas. Esse é o meu lugar do afro dentro da ficção científica. Antes, tinha representado o Brasil em uma antologia mundial de ficção científica. Eu estava disputando um espaço que não era meu. Não tinha repercussão, porque eu era mais um em um milhão que já estavam fazendo ficção tradicional. Quando surge o futurismo, eu vejo que esse é o espaço que, não só o meu texto vai ser valorizado, mas a minha experiência de vida vai ser valorizada”, conta.
Impacto do movimento no futuro
Quem assistiu a animação “The Jetsons”, de 1962, viu que os criadores William Hanna e Joseph Barbera imaginavam um futuro com robôs com inteligência e relógios tecnológicos que serviram para muitas coisas além de informar as horas. Mais de 60 anos depois, isso faz parte da nossa realidade.
A ficção cientifica tem esse poder. Muito das tecnologias usadas nas produções inspiram inventores da vida real.
Santos garante que suas obras não tem comprometimento com a realidade, mas diz que sonha em inspirar jovens negros do futuro a criar algo totalmente novo.
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“O afrofuturimo abre esse outro caminho para humanizar as pessoas negras verdadeiramente nesse debate do que é o futuro. Então, quando estou escrevendo, não tenho comprometimento algum com a realidade. Eu sou um ficcionista que vai criar coisas, como robôs capoeiristas. Quem sabe, no futuro, alguém olhe esse personagem e algum cientista, algum garoto, possa criar um algoritmo que não existe ainda baseado na minha experiência de vida”, afirma Santos.
Autores brasileiros de afrofuturismo
Ale Santos e Ana Maria Gonçalves são apenas dois autores brasileiros que colocam elementos de afrofuturismo em suas obras. Mas não são os únicos. O país está repleto de talentos que estão criando realidades e futuros tecnológicos para a comunidade negra.
O site da TV Cultura te mostra outros escritores que se autodeclaram afrofuturistas e produzem obras exaltando a cultura negra.
- Fábio Kabral: autor da trilogia "O Caçador Cibernético da Rua 13", "A cientista Guerreita do Facão Furioso" e "O blogueiro bruxo das redes sobrenaturais".
- Sandra Menezes: finalista do Prêmio Jabuti e autora de “O céu entre mundos”.
- Lu Ain-Zaila: escritora de "(In)Verdades’ e ‘(R)Evolução".
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