Fundação Padre Anchieta

Custeada por dotações orçamentárias legalmente estabelecidas e recursos próprios obtidos junto à iniciativa privada, a Fundação Padre Anchieta mantém uma emissora de televisão de sinal aberto, a TV Cultura; uma emissora de TV a cabo por assinatura, a TV Rá-Tim-Bum; e duas emissoras de rádio: a Cultura AM e a Cultura FM.

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Esses dados podem parecer distantes da nossa realidade, mas a origem do machismo está bem debaixo dos nossos narizes e, provavelmente, dentro das nossas casas. Ele começa quando ensinamos às nossas crianças que a mulher deve servir ao homem, gerar os filhos e lutar pelo matrimônio. Quando dizemos a elas que “ele só ficou nervoso” ou que “ele não vai mais fazer isso” ou, pior, “mas o que você fez para merecer isso?, culpabilizando a vítima pelo comportamento violento do parceiro. A mulher, quando é vista como propriedade do homem, perde voz, autonomia e, em alguns casos, a vida.

No final do ano passado, chegou às minhas mãos uma pauta sobre o aumento de casos de feminicídio no Brasil, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A reportagem foi ilustrada com o caso da Talita Oliveira, que foi vítima de uma tentativa de assassinato pelo ex-marido, que não aceitou a separação. Ele arrancou partes da orelha e do nariz dela com mordidas e depois tentou estrangulá-la. O rosto da Talita ficou desfigurado. Na época, ela já tinha passado por cinco cirurgias de reconstrução facial e tinha mais dez pela frente.

Esse caso foi tão chocante que o nosso diretor de jornalismo, Leão Serva, sugeriu uma série de reportagens sobre feminicídio, que depois se transformaria em documentário. Montamos uma força tarefa com um time que transbordava respeito, empatia e sensibilidade pelo tema. Tive o apoio incondicional de Marici Capitelli e Plinio Delphino na chefia de reportagem, Daiane Alioto e Laura Cantal na produção, Claudia Machado na edição de texto, Sidney Turaça nas imagens e Laíze Câmara na finalização. O formato definido foi documental, ou seja, minha voz e meu rosto não apareceriam em nenhum momento. Os personagens contariam suas histórias e os especialistas analisariam, sem interferências.

Por semanas, gravamos entrevistas difíceis. Eu só tenho a agradecer às mulheres sobreviventes que confiaram em mim para reviver momentos de terror e aos familiares das vítimas mortas, que compartilharam comigo as piores dores da vida. Sem eles, não seria possível concluir o projeto.

Optamos por abordar casos anônimos e também crimes que causaram grande comoção nacional e tiveram atenção da mídia, como o desaparecimento de Eliza Samudio, que levou à cadeia o goleiro Bruno, a morte da advogada Mércia Nakashima pelas mãos do ex-namorado Mizael Bispo de Souza e o brutal assassinato da jovem Bianca Cônsoli, cometido pelo cunhado Sandro Dota. Como o feminicídio também afeta mulheres trans, foi essencial inserir o caso de Larissa, morta a pauladas no meio da rua.

Outro trunfo do documentário é a entrevista exclusiva com Maria da Penha, que relembrou o crime que quase lhe tirou a vida e inspirou a lei de 2006, que leva seu nome e já protegeu milhares de brasileiras. O “respiro” fica por conta do projeto “Namoro Legal”, que ensina de forma lúdica a adolescentes de escolas de todo o país o que é um relacionamento abusivo.

A pandemia de Covid-19 interrompeu, assim como tantos outros planos, a possibilidade de exibirmos esse documentário antes. O material ficou, como chamamos na TV, “engavetado” por meses. Infelizmente, o tema se tornou ainda mais importante e urgente, já que os casos de violência doméstica e de feminicídio aumentaram durante a quarentena, quando as mulheres ficaram confinadas dentro de casa com os seus agressores.

É chocante, porém necessário, perceber que o estímulo à violência de gênero está por todas as partes. Está, por exemplo, na arte de Nelson Rodrigues, Noel Rosa e Chico Buarque. Somos membros de uma sociedade que reproduz pensamentos e atitudes machistas.

Espero que esse projeto sirva de reflexão e possa ajudar a proteger a vida de outras Sandras, Larissas, Biancas, Elizas, Mércias e de mulheres de todo o país. O combate à violência de gênero cabe a todos nós - meninos, meninas, homens e mulheres. Romper o silêncio salva vidas.

Vamos juntos?

Vanessa Lorenzini é Repórter TV Cultura e diretora do documentário “Eles Matam Mulheres”