Planejar a vida financeira após a aposentadoria não é uma tarefa fácil. E conseguir juntar os recursos que serão necessários nessa etapa é só uma parte do desafio. É preciso continuar gerindo o dinheiro acumulado por meio de boas escolhas de investimento para que a conta feche até o final. Um erro de cálculo pode fazer a reserva financeira se esgotar antes do previsto – em um momento da vida em que não dá mais para trabalhar.
Para não ter que carregar essas preocupações, quem investe em um fundo de previdência pode optar por converter o montante acumulado (ou parte dele) em renda. Com isso, esse dinheiro é transferido para uma seguradora, que será responsável por fazer pagamentos mensais ao segurado até o fim da vida dele – ou por um prazo a ser combinado.
Ao terceirizar a gestão dos recursos, a pessoa ganha a tranquilidade de saber que aquela renda está garantida, não importando o que aconteça. Isso se torna mais importante na medida em que a idade avança e tomar decisões importantes com lucidez vai ficando mais difícil.
Por outro lado, o montante convertido em renda sai do patrimônio do investidor e passa a ser da seguradora, de forma irreversível. Por isso, essa não é uma decisão simples e deve ser muito bem pensada.
Como funciona?
A conversão em renda é uma opção do investidor e pode ser exercida a qualquer momento. Ou nunca ser exercida – e, nesse caso, o investidor continua na fase de acumulação, fazendo ou não novos aportes e organizando os resgates da forma que achar melhor.
Existem seis modalidades de renda, padronizadas pela Susep (Superintendência de Seguros Privados):
(1) Renda vitalícia: o segurado recebe a renda definida no momento da conversão pelo resto da vida. Mesmo se o dinheiro acumulado não for suficiente, a seguradora será responsável por continuar pagando aquele valor mensalmente até a morte do segurado. Por outro lado, se ele morrer antes do dinheiro acabar, o saldo residual fica todo para a seguradora;
(2) Renda vitalícia reversível a beneficiário: neste caso, quando o titular morrer, o beneficiário indicado por ele continuará recebendo a mesma renda, também de forma vitalícia;
(3) Renda vitalícia para o titular, com reversão ao cônjuge e continuidade aos filhos menores: quando o titular morrer, a renda vai para o cônjuge, se estiver vivo. Quando o cônjuge morrer, os filhos passam a receber a renda, se ainda forem menores de idade. Quando completarem 18 anos, o eventual resíduo fica para a seguradora;
(4) Renda vitalícia com prazo mínimo garantido: o titular estabelece um prazo (15 anos, por exemplo). Ele vai receber até morrer, mas, se morrer antes do fim desse prazo, os herdeiros continuam recebendo a renda pelos anos que faltarem;
(5) Renda temporária: não é vitalícia, tem data certa para terminar. Chegada a data, se o segurado estiver vivo, não recebe mais nada. Se ele morrer antes da data, o resíduo fica para a seguradora;
(6) Renda por prazo certo: parecida com o item anterior, mas, se o titular morrer antes do fim do prazo, o beneficiário que ele indicar continuará recebendo a renda até o fim do prazo.
Como escolher a modalidade?
Note que o risco para a seguradora é bem diferente em cada uma dessas modalidades. A modalidade número 2, em que ela se obriga a pagar uma renda até o titular e o beneficiário morrerem, é um ônus com risco alto para ela, que não sabe quanto tempo essas duas pessoas vão viver – e, mesmo se o dinheiro acumulado terminar, ela precisará continuar honrando os pagamentos.
Já na modalidade 5, ela já sabe de antemão por quanto tempo terá que pagar aquela renda, e se o segurado morrer antes do prazo, o dinheiro fica todo para ela.
Tudo isso tem impacto direto no valor da renda mensal que será paga. Quanto maior for o risco da seguradora, menor será a renda que você receberá a partir do mesmo montante acumulado.
“Tudo isso é combinado com o segurado, sem surpresas. Por isso, ele precisa simular todas as modalidades para ver o que é melhor para si, e pensar com calma antes de decidir”, explica Bruno Hoffmann, superintendente comercial da Icatu Seguros. “Uma vez que exerceu a opção e começou a receber a renda, não pode mais mudar.”
Por que contratar uma renda?
A principal vantagem é transferir à seguradora o risco que você teria ao optar por se sustentar sozinho, até o resto da vida, com o dinheiro que acumulou.
“Ao optar por permanecer na fase de acumulação indefinidamente e usufruir dos recursos no plano por meio de resgates, você é o responsável pelas suas reservas e pelo seu planejamento financeiro”, diz a planejadora financeira Elaine Carreiro. “Cabe a você avaliar quanto poderá resgatar por mês, se conseguirá viver apenas dos rendimentos do montante ou se terá que consumir a renda principal.”
Ao contratar uma renda, você delega à seguradora o ônus de fazer os cálculos necessários e, a partir daí, tem a segurança de que receberá a renda combinada até morrer (ou até o fim do prazo acertado), não importa o que aconteça no meio do caminho. Tomar más decisões de investimento ou simplesmente errar na conta e ficar sem dinheiro são riscos que você elimina do horizonte.
Qual é o momento certo para fazer a conversão em renda?
O senso comum é que a pessoa toma essa decisão quando decide parar de trabalhar e se aposentar. A partir daí, ela troca o ganho mensal que tinha com o salário pela renda produzida pelo próprio patrimônio. Mas essa é apenas uma das situações em que a conversão em renda pode fazer sentido.
Hoffmann menciona duas situações reais em que um investidor pode usar parte do patrimônio para comprar uma renda, sem que isso esteja vinculado às ideias de aposentadoria, velhice ou morte.
“Tenho um cliente que é responsável pela renda da família e já comprou uma renda vitalícia de R$ 10 mil para a esposa. É um colchão de segurança para ela, que pode não saber gerir o patrimônio sozinha quando ele vier a faltar”, diz o superintendente da Icatu.
Outra possibilidade é contratar uma renda que sirva como pensão alimentícia. “Com isso, você terceiriza seu risco para a seguradora, que cuida dos pagamentos, atualizados anualmente pelo IPCA. Portanto, não existe um momento certo para fazer essa conversão”, conclui.
Vale a pena converter todas as minhas economias em renda? Ou é melhor imobilizar apenas uma parte dos recursos?
Não existe uma resposta única para todo mundo. Mas lembre-se de que, ao converter aquele montante em renda, você não terá mais acesso a ele. Quando morrer, dependendo da regra escolhida, o dinheiro que não recebeu poderá ficar para a seguradora. Nem todo mundo se sente confortável com isso. Por isso, converter o valor total das suas reservas pode ser um passo radical demais.
“A segurança de receber uma renda até morrer, não importa o que aconteça, é algo muito bom. Mas, para algumas pessoas, essa solução não serve. De qualquer maneira, ninguém deveria dar a mesma destinação a todo o seu dinheiro. Não se colocam todos os ovos na mesma cesta”, pondera Hoffmann.
A planejadora financeira Silvia Benucci diz que a questão demanda uma análise cuidadosa. “Abrir mão de todo o patrimônio que você acumulou, abrir mão de deixá-lo para seus herdeiros, pode gerar uma sensação de perda muito grande. É uma questão emocional pesada”, ela avisa. “Um caminho do meio, de manter uma parte do patrimônio e converter outra em renda, pode ser uma opção.”
O cálculo atuarial (que define quanto eu vou receber por mês) varia de uma seguradora para a outra?
Sim, pode haver diferença no cálculo atuarial de uma seguradora para outra, ainda que as premissas técnicas sejam parecidas. “Cada uma faz uma avaliação de risco diferente, de acordo com seu apetite a risco e sua expertise em tomar aquele risco”, responde Hoffmann. “É como em um seguro de automóvel: a seguradora A precifica diferente da B. Por isso, é tão importante cotar em várias.”
Silvia alerta que os planos de previdência feitos antes do ano 2000 usavam uma tábua atuarial muito antiga, que ainda levava em conta as expectativas de vida e mortalidade de 1983. Por isso, a conversão em renda desses planos era muito mais vantajosa.
Em 2000, foi adotada uma tábua diferente e, a partir de 2010, a tábua atual, que sofre revisões a cada cinco anos. Ao fazer a portabilidade de um plano de previdência antigo, o montante passa a seguir a tábua mais recente, que considera a expectativa de vida muito maior dos dias de hoje. Isso traz um impacto enorme no cálculo da renda.
“Tenho um cliente que conseguiu transformar uma reserva de R$ 700 mil em uma renda vitalícia de R$ 15 mil. Isso só foi possível porque o plano dele era muito antigo [e ele não fez a portabilidade]. Por isso, se você pretende contratar uma renda, converse com um especialista sobre a sua tábua atuarial antes de pensar em fazer a portabilidade”, aconselha a planejadora financeira.
Como saber quanto de renda vou precisar na velhice?
Fazer as contas é o de menos: a seguradora tem simuladores que mostram quanto você precisará ter acumulado para receber uma determinada renda, por um certo período. A questão crucial é saber quanto você gostaria de receber.
“Muitas pessoas acham que vão gastar menos na aposentadoria, porque pretendem economizar com transporte, comer menos fora de casa. Mas quem trabalhou por tanto tempo quer desfrutar a vida, como se estivesse de férias. Nesse caso, precisa de renda mensal maior”, afirma Hoffmann.
Silvia diz que o padrão de gastos atual já dá uma boa ideia de quanto será necessário. “Você tem algumas trocas, saem da conta a escola e outros custos dos filhos, mas o padrão não muda tanto. Você pode mudar um pouco o estilo das compras, mas não vai passar a comer menos”, argumenta.
É preciso, porém, somar os gastos com plano de saúde. Na fase final da vida, ele tem um aumento muito expressivo e consome boa parte da renda dos aposentados. “Por isso, para calcular quanto você vai precisar de renda, conheça e considere seus gastos atuais de hoje e some a despesa extra com o convênio médico”, recomenda a planejadora financeira.
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