“Ser mulher na política é um desafio desde o primeiro momento, ali na base quando você inicia sua trajetória na vida partidária, até depois de eleita”, declarou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que tem se destacado na CPI da Covid, assim como Simone Tebet (MDB-MS).
Segundo levantamento feito pela cientista política Juliana Fratini, a desigualdade de gênero presente no Brasil fica evidente também na política, onde o cenário é majoritariamente composto por homens. Os dados deixam isso bem claro:
- Eleitorado feminino totaliza pouco mais de 52%.
- A cota para candidaturas femininas é de apenas 30%, assim como para o fundo eleitoral para campanhas de mulheres.
- Dentre os 33 partidos, apenas quatro têm presidentes mulheres.
- Na Câmara há apenas 15% de mulheres contra 85% de homens, sendo apenas 77 entre 513 congressistas.
- No Senado são 12 mulheres no total de 81 senadores.
- Em 2020, apenas 16% de mulheres foram eleitas para as câmaras municipais, para prefeitura em primeiro turno foram 12%.
Juliana é organizadora das obras "Política nas Redes Sociais: Como fazer comunicação digital com eficiência" (2020) e "Princesas de Maquiavel: Por mais mulheres na política", este último com data de lançamento prevista para outubro de 2021.
A especialista afirma que a luta das mulheres é muito maior na política, justamente por conta dos dados acima, sendo que a situação deveria ser bem diferente por vivermos em democracia.
“Democracia significa "governo do povo". Embora não queira dizer que o povo governe, pressupõe pluralidade, reconhecimento e defesa de causas e interesses femininos”, argumenta.
Segundo Juliana, para que a democracia funcione com mais efetividade, é indispensável que as mulheres ocupem espaços políticos para defender temas que lhes sejam importantes. “Não que a mulher vá legislar e governar apenas para outras mulheres, mas por experiência de gênero, terá outro olhar a respeito das demandas femininas, assim como oferecerá soluções políticas e políticas públicas mais adequadas”, acrescenta.
Um dos pilares para o aumento da representatividade feminina é a visibilidade da atuação das mulheres na política. A Comissão Parlamentar de inquérito (CPI) da Covid tem sido um espaço para destacar o desempenho das senadoras.
Os holofotes estão voltados para o colegiado do Senado Federal que apura supostas irregularidades do governo em meio à pandemia, e as senadoras têm se destacado, sendo peças-chaves para o desenrolar das investigações.
“Eu acho que a participação das mulheres na CPI é um marco. Uma amostra clara de como a mulher é importante e pode fazer a diferença em qualquer colegiado. Tivemos grandes momentos nessa CPI, mostramos capacidade técnica, precisão nos interrogatórios, firmeza dentro dos estritos limites constitucionais dos depoentes. A mulher tem uma forma especial de inquirir, acho que isso chamou a atenção de todos”, disse Eliziane Gama ao site da TV Cultura.
Um exemplo da atuação feminina na CPI foi durante o depoimento do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF). Na ocasião ele estava relutante em citar o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), mas foi convencido por Simone Tebet.
Miranda narrou uma conversa que diz ter tido com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no momento em que foi entregar a denúncia sobre possível corrupção no governo, relacionada ao contrato da compra da vacina Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech.
Segundo o parlamentar, o presidente teria dito: "É mais um rolo desse... Você sabe quem", mas Miranda afirmava não se lembrar do nome citado.
Ele foi pressionado por vários dos integrantes da comissão, incluindo o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que chegou a dizer que ele não era corajoso como o irmão — o servidor público Luis Ricardo Miranda, que trabalha no Ministério da Saúde e foi quem inicialmente denunciou as supostas irregularidades.
Depois de horas de depoimento, Tebet tomou a frente e argumentou que a opinião pública ficaria ao lado do deputado e que ele não precisaria temer retaliações do Conselho de Ética da Câmara. Luis Miranda, então, entregou. "A senhora também sabe que é o Ricardo Barros que o senhor presidente falou. Foi o Ricardo Barros", declarou Miranda, revelando o nome do líder do governo no Congresso.
Em entrevista, a senadora comentou essa conquista da bancada feminina na comissão: “Vamos engrandecer a política quando entendermos que trabalhar em conjunto é positivo para a sociedade como um todo. Não há assunto de mulher e assunto de homem. Independentemente do gênero, o que deve prevalecer é a capacidade de empunhar bandeira”.
Entretanto, a parceria entre homens e mulheres nem sempre aconteceu na CPI. Houve episódios em que os senadores desrespeitaram e interromperam senadoras e até mesmo depoentes femininas, conta Eliziane.
Sem citar nomes, a parlmamentar relata que esses comportamentos foram frequentes: “É desrespeito, tentativa de nos silenciar. Somos taxadas de nervosas. Quando você é assertiva, você está nervosa, está gritando, é uma tentativa de desestabilizar a mulher, de desqualificar e intimidar”.
Ela afirma que a reação de toda a bancada feminina, que reagiu unida a essas intimidações, foi fundamental. “Deixamos divergências políticas de lado para assegurar a representatividade da mulher”, continua.
O apoio entre mulheres é essencial para conquistar espaço e segundo Simone, a luta remonta as sufragistas: “Sem as mulheres da primeira fase do feminismo, que lutaram para garantir o nosso direito de votar e sermos votadas, ainda estaríamos patinando. A sociedade mudou muito e o papel da mulher é cada vez mais reconhecido. Temos avançado bastante, especialmente nos últimos anos”.
O reconhecimento das mulheres na CPI da Covid tem avançado. No mês passado, Eliziane foi contemplada com uma placa com seu nome e o título de eventual presidente da comissão. Nas redes sociais, ela comemorou e falou da participação feminina.
A senadora conta que a placa teve um enorme significado para ela. “Nossa posição na CPI não foi garantida, não foi dada, foi conquistada. Num colegiado de 11 titulares, não havia nenhuma mulher indicada sequer como suplente, então, a placa mostra esse significado”, disse.
“Revela todo o nosso empenho, o estudo incansável e a vontade de trazer uma resposta ao povo brasileiro sobre o que aconteceu na pandemia. Essa é uma das piores tragédias da humanidade, resultou na morte de mais de 550 mil vidas brasileiras, agora imagina só, não ter sequer uma mulher fazendo parte desse colegiado, sendo que somos maioria da população. É algo impensável”, completa.
A atuação das senadoras na CPI tem ganhado muita atenção e pode mudar a representatividade feminina na política. “A forma como a sociedade viu a importância do trabalho das senadoras irá ecoar dentro e fora do parlamento, já vemos isso nas redes sociais. Sairemos da CPI mais fortalecidas”, celebra Eliziane, embora ressalte que houve muita luta para chegar até aqui e que ela ainda será necessária no futuro.
“Alguns avanços regimentais também foram fundamentais, como o projeto apresentado por mim e aprovado pelo plenário que criou a liderança feminina no Senado. Acredito que a atuação de todas nós, mulheres, na CPI fez a diferença. Chegar à Câmara ou ao Senado é um grande passo, mas dentro do parlamento, enfrentamos resistência. Por isso, propostas como a da liderança da bancada feminina são tão relevantes, para que nos assegurem assento nas comissões, relatorias e debates mais importantes”, concluiu a senadora.
Para a cientista política, o papel das mulheres na comissão foi fundamental para exaltar a necessidade de equidade de gênero. Entretanto, ainda há muito o que se fazer pela frente. “Quero dizer que a atuação das mulheres na CPI foi muito importante, porém, nós podemos dar-lhes ainda mais visibilidade por todo o trabalho político realizado de maneira mais ampla nas cidades, estados, Congresso. Todas elas inspiram”, finaliza Juliana.
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A senadora Simone Tebet participou do Roda Viva. Confira o programa na íntegra:
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