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Reprodução/ Flickr Senado Federal
Reprodução/ Flickr Senado Federal

Durante seis meses a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid foi o centro das atenções da política nacional. As oitivas realizadas no Senado Federal buscavam responsáveis pelas mais de 600 mil mortes causadas pela doença.

Nesta terça-feira (26), a comissão aprovou a versão final do relatório feito pelo senador Renan Calheiros (MDB) - com mais de mil páginas - que propõe 80 indiciamentos, entre eles, o do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Ao todo, o chefe do Executivo foi indiciado por nove crimes, sendo eles: Epidemia com resultado morte, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, incitação ao crime, prevaricação, emprego irregular de verba pública, falsificação de documentos particulares, crime de responsabilidade e crime contra a humanidade.

Agora, os questionamentos se voltam aos rumos do documento, que segue para os órgãos responsáveis, e o que deve acontecer com o presidente da República a partir desse momento. O site da TV Cultura conversou com especialistas que explicaram quais são esses caminhos e analisaram se há possibilidade de condenação do presidente.

O que acontece agora?

Após a aprovação, o relatório final foi enviado ao Ministério Público Federal ou Estadual, ao Tribunal de Contas da União e à Advocacia Geral da União conforme o âmbito dos crimes dos indiciados. Os órgão responsáveis analisarão o documento e decidirão se já há provas o suficiente para que o acusado seja denunciado, ou se existe a necessidade de abertura de inquérito para mais investigações.

A advogada penal Fernanda Fernandes explica que, quando relacionados ao presidente, os documentos seguem para o procurador-geral da República, que decidirá pela abertura de inquérito ou pela denúncia ao Supremo Tribunal Federal, já que, como chefe do Executivo, possui prerrogativa de foro.

“É a partir daí que começa o processo penal contra esse cidadão, porque até o momento eles são só indiciados, não há ninguém respondendo por um processo de fato, ninguém é réu até então”.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, determinou na noite desta quinta-feira (28) a abertura de uma investigação preliminar, por meio da chamada notícia de fato, para apurar os crimes imputados pelos senadores da CPI ao presidente e aos outros 12 políticos indiciados pelo relatório.

Além da investigação, Aras determinou o compartilhamento das informações com todos os procuradores do Ministério Público Federal (MPF) responsáveis por investigar casos relacionados à pandemia de Covid-19.

No despacho, o PGR também solicita a verificação da existência de todos os procedimentos correlatos às denúncias da comissão que estejam sob investigação da Procuradoria-Geral, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - estejam eles em curso ou encerrados.

Bolsonaro pode sofrer impeachment?

O processo de impeachment deriva de um crime de responsabilidade, assim denominado quando ele guarda a relação com a função pública exercida, do qual Bolsonaro também é indiciado. Neste caso, os caminhos diferem dos crimes comuns, que carecem da denúncia do procurador-geral da República.

Estes crimes são previstos no Art. 85 da Constituição Federal. São atos que ferem:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Os delitos também podem ser encontrados na Lei 1079/51, conhecida como Lei do Impeachment, que define o que são crimes de responsabilidade e estabelece os processos de julgamento.

Neste caso, os documentos são enviados ao Congresso Nacional, precisando ser, em primeira instância, ser aceito pelo presidente da Câmara dos Deputados e votados pelos parlamentares, e em seguida julgado pelo Senado, levando, ou não, ao impeachment.

Bolsonaro foi indiciado pelo crime de responsabilidade por defender a imunidade de rebanho, promover aglomerações, incentivar o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a Covid, como cloroquina e ivermectina, criticar o isolamento social e atrasar a compra de vacinas.

Contudo, a cientista Simone Diniz, professora de ciências sociais na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), acredita que para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, a abertura do processo de impeachment não seria proveitoso.

“Para Lira não é interessante entrar em nenhum confronto direto com Bolsonaro, mas se as coisas foram se agravando, ele também desembarca e o presidente precisará do apoio de outras pessoas", destaca Simone. “É ano eleitoral para deputados e senadores, o limite do Lira é também balizado pela própria sobrevivência política, por enquanto, ele tem um diálogo com Bolsonaro”.

Outros indiciados

Além de Bolsonaro, mais 79 pessoas foram indiciadas no relatório de Calheiros. Ministros, ex-ministros, deputados federais, vereador, senador, secretários, ex-secretários, servidores públicos, médicos e empresários. Duas empresas também foram colocadas no texto final, a VTC Operadora Logística - VTCLog e a Precisa Medicamentos.

A VTCLog foi apontada por suspeitas de irregularidades em contratos com o Ministério da Saúde. A empresa que é responsável pelo departamento logístico e prestação de serviços para o governo federal, como o armazenamento, o transporte e a distribuição de vacinas e medicamentos para o país, foi contratada para fazer o fornecimento de vacinas da Covid-19.

O relatório da Comissão pede que a companhia privada seja investigada por dois crimes: ato lesivo à administração pública por fraude de licitação pública.

No caso da Precisa Medicamentos, a empresa foi colocada no centro da CPI por intermediação nas negociações da compra da vacina indiana Covaxin pelo governo. A companhia também foi indiciada por lesão à administração pública. A comissão pede que a Precisa seja punida por meio da Lei Anticorrupção e entre no cadastro de empresas inidôneas.

Os ministros do governo Bolsonaro também aparecem na lista. Os dois últimos comandantes da Saúde foram indiciados. Eduardo Pazuello, que ocupou o cargo por 10 meses é acusado pelos crimes de: epidemia com resultado morte, emprego irregular de verbas públicas, prevaricação, comunicação falsa de crime, crimes contra a humanidade nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos.

O atual comandante da Pasta, Marcelo Queiroga, está sendo indiciado por dois crimes: epidemia com resultado morte e prevaricação.

Os outros ministros presentes no texto são: Ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República e ex-ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, por incitação ao crime contra a humanidade nas modalidades extermínio, perseguição e outros atos desumanos. O ex-ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi indiciado por epidemia com resultado morte e incitação ao crime, o Ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, Wagner Rosário, por prevaricação e o Ministro da Defesa e ex-ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, por epidemia com resultado morte.

Os processos de Pazuello e Ernesto Araújo devem ser apurados pelo Ministério Público Estadual. Enquanto Queiroga, Lorenzoni, Wagner Rosário e Braga Netto terão os indiciados enviados à PGR, por possuírem a prerrogativa do foro privilegiado.

Os filhos do presidente também constam na lista, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL‑SP), o senador Flávio Bolsonaro (Patriota‑RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) cometerem, segundo a CPI, incitação ao crime

Carlos será analisado pelo Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro. Já Eduardo e Flávio pelo Ministério Público Federal, caso sejam encontradas provas suficientes, o STF julgará os casos.

Repercussões Políticas

Os meses em que ocorreram os trabalhos da CPI apresentaram um desgaste político para o Governo Bolsonaro. As denúncias do servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda e seu irmão, o deputado Luis Miranda (DEM/DF) revelaram à comissão um suposto esquema de corrupção envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, fabricada pelo laboratório indiano Bharat Biotech, e representado no Brasil pela Precisa Medicamentos - empresa indiciada no relatório.

O depoimento dos irmãos Miranda colocaram, em junho, o nome do presidente Jair Bolsonaro em evidência pela primeira vez desde o início das oitivas. Segundo eles, o chefe do Executivo foi avisado de que o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), estava envolvido no caso que previa um contrato com a empresa para aquisição de 20 milhões de doses a R$ 1,6 bilhão.

Os fatos revelados na CPI da Covid, somado a crise econômica, o aumento da inflação e dos preços da conta de luz, alimentos e combustíveis derrubaram a popularidade do presidente ao longo dos meses.

Uma semana antes da instalação da Comissão, o levantamento do PoderData mostrou que 57% desaprovavam. A pesquisa revelou que 35% dos brasileiros acham o governo bom ou ótimo. Ao longo dos meses, a desaprovação do governo bateu a casa dos 63%, como mostrou o PoderData com a pesquisa divulgada em setembro.

Para Simone Diniz as razões levaram ao desgaste político do Governo. “A CPI jogou luz para uma série de coisas muito obscuras que vinham ocorrendo na pandemia, do descaso do Governo Federal. O saldo foi positivo, apesar das 600 mil mortes, a Comissão ajudou a acelerar a questão da vacina, na conscientização das pessoas sobre a importância da vacinação”.

“O contexto ao longo do mês foi desgastando a imagem do governo, ao revelar os problemas de não gestão, de má gestão, de omissão, de negacionismo. Quem sai pior com a CPI é o governo”, analisou.

A cientista ressalta que os fatos revelados na comissão também impactarão a imagem do governo na eleição geral de 2022. Uma pesquisa publicada pelo Instituto Datafolha no dia 17 de setembro mostrou que 59% dos brasileiros que votaram em Bolsonaro não são a favor da sua reeleição. O PoderData levantou no final de setembro que na disputa presidencial o atual chefe do Executivo tem 30% de intenção de votos no primeiro turno, enquanto Lula (PT) lidera o cenário com 40%.

“Tem um agravante que estamos caminhando para um ano eleitoral. Se ele vai ser punido, vai ser preso, ou afastado, eu acho pouco provável. Mas vai desgastar. Bolsonaro perdeu uma parcela da população que tenha votado nele em 2018. Para onde esse grupo vai, ainda não sabemos, mas uma parcela da população diz que não vota nele de novo. O que ele vai fazer é ficar brigando e chegar no momento eleitoral ano que vem”, explica.