Idoso poliglota de 88 anos oferece aulas gratuitas de inglês: “Gosto de ajudar o próximo”
Conheça a história de Henrique Hanna, iraquiano que viajou o mundo e escolheu o Brasil como casa
14/04/2022 08h10
Em um mundo de consumo, tudo que é oferecido de graça soa de maneira estranha. Foi essa sensação que a fotógrafa Fran Machoski teve ao passar por um senhor de 88 anos na Feirinha do Largo da Ordem, em Curitiba. Ele carregava uma placa escrito: “Reforço de inglês - Aulas gratuitas”. Primeiro ela achou que fosse um golpe. Depois, perguntou o que significa aquilo. A resposta veio com uma carga enorme de verdade e honestidade.
“Quero ajudar quem não tem dinheiro para pagar. Eu não quero acumular conhecimento”, diz.
O professor de inglês é Hikmat Daoud Hanna, mas no Brasil, todos os chamam de Henrique. Apesar de ter nascido no Iraque, há 49 anos adotou o Brasil para ser a sua casa.
Desde o final de 2021 oferece aulas de inglês gratuitas, utilizando um método desenvolvido por ele mesmo, que não necessita de material didático. O conhecimento para criar uma forma de ensino veio dos anos de estudo na Itália, onde se formou em Filosofia, e aprendeu diversos idiomas, como o próprio italiano, francês, aramaico, latim, esperanto e espanhol.
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“Eu ensino inglês para alguém que não sabe. A pessoa aprende. O fato da pessoa aprender comigo, pra mim é uma alegria e uma recompensa. É um pouco raro alguém falar uma coisa dessa. Eu sou assim. Gosto de ajudar o próximo”, afirma.
Mas como um senhor desse veio morar no Brasil? O site da TV Cultura conversou com Henrique de maneira exclusiva. Ele revela detalhes de sua vida e como acumula tanto conhecimento.
Vinda para o Brasil
Hikmat nasceu no Iraque em 1934, mas decidiu estudar no exterior. Quando finalizou os estudos, ingressou na faculdade de filosofia em Roma, capital italiana.
Apesar de se formar em um curso mais teórico, passou a trabalhar em uma agência de viagem. Foi nesse serviço que conheceu uma turista paulistana. Após se relacionarem, ela o convenceu de se mudar para o Brasil e começar uma vida por aqui. Mesmo não conhecendo o país e não falando uma palavra de português, fez as malas e embarcou. E a vida aqui foi realmente uma aventura.
“Morei em São Paulo por 17 anos. Fiquei com essa senhora até ela morrer. Depois me casei com uma curitibana e também fiquei 17 anos com ela. Esse número me persegue. Após o casamento acabar, um casal de amigos me convidou para ir a Salvador e decidi morar lá. Conheci uma senhora na cidade e me casei mais uma vez. Ficamos juntos por 11 anos, até ela sofrer um infarto fulminante em 2017”, contou.
Após a morte da última esposa, ele seguiu morando na capital baiana por mais quatro anos. Em 2021, optou por voltar para Curitiba.
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O principal motivo para não deixar o país depois de tantos anos foi a fácil adaptação. O professor sempre gostou do clima e a alimentação é muito parecido com a do Iraque. “Aqui se come arroz, feijão e uma mistura quase todos os dias, assim como no Iraque”, explicou.
Trabalhos no Brasil
Como um iraquiano que estudou na Itália e se mudou para o Brasil por conta de uma paixão se sustentou? Henrique afirmou que teve diversos serviços ao longo dos anos. Ele trabalhou na Câmara de Comércio Árabe brasileiro, que fica na Avenida Paulista, e também como professor de línguas estrangeiras.
Após anos de trabalho na Europa e no Brasil, ele se aposentou em 2002. Mas, revelou que não queria parar e ficar sem fazer nada em casa. Nos anos seguintes, quis dar aulas de idiomas, porém, com o passar dos anos, ficou mais difícil de ser contratado.
Aulas gratuitas
Com poucas oportunidades e ainda com vontade de trabalhar, Henrique se questionou sobre como iria fazer com tanto conhecimento. Assim, decidiu oferecer aulas de maneira gratuita.
“Sei que muitos precisam saber inglês para colocar no currículo, mas não podem pagar por aulas particulares ou institutos, porque é muito caro. Então, passei a lecionar gratuitamente. Então, fui até a Feirinha do Largo da Ordem e coloquei o cartaz”, explica.
Foi neste momento que conheceu Fran, que acabou se tornando seu braço direito no projeto e começou a divulgar o seu trabalho nas redes sociais.
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Além de Fran, Henrique deu aulas para diversas pessoas. Ao longo da conversa, contou que deu aulas para uma jovem autista de 16 anos e até estudantes de administração.
Sua história ficou tão popular que pessoas do Brasil inteiro passaram a se interessar por suas aulas. Então, Fran está o auxiliando na produção de videoaulas no YouTube.
Algumas escolas de inglês em Curitiba chegaram a oferecer trabalho para ele, mas, segundo Fran, nenhuma delas aceitou as condições de Henrique para lecionar. “O objetivo dele é fazer a filantropia”, garante Fran.
Paixão pelo Brasil
Mesmo nascendo no Iraque e vivendo anos na Itália, Henrique diz que quer ficar no Brasil. Ao longo desses quase 50 anos, ele construiu laços aqui e garante que é o melhor país para se viver.
“Quando morava na Itália, eu visitei vários países europeus, como a França, Alemanha e Inglaterra. Fora os países árabes e do norte da África que também conheço. Tenho uma noção de como é a vida fora do Brasil. O brasileiro que não conhece o exterior, acha que a vida é um mar de rosas no exterior. Eu não acho isso. Eu acho, que apesar das falhas, que o Brasil é melhor lugar do mundo para se viver”, finaliza.
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