Enquanto se fala sobre a pobreza menstrual no Brasil, nos próximos dias a Espanha pode se juntar ao grupo de países como Japão, Taiwan e Indonésia, que já oferecem a licença menstrual. A proposta é contemplar as mulheres que sofrem, mensalmente com uma dolorosa menstruação, de tirarem licenças médicas de até três dias, sem ter os dias descontados no trabalho.
A secretária de Estado da Espanha para a Igualdade, Angela Rodriguez, é um dos principais nomes por trás do projeto.
Em entrevista concedida ao jornal "El Periodico" em março deste ano, ela afirmou que o direito à licença deve ser concedido à mulheres que sofrem de cólicas e outras dores graves.
"Quando o problema não pode ser resolvido clinicamente, acreditamos que é muito sensato que haja [o direito a] uma incapacidade temporária associada a esse problema", disse Angela.
"O mesmo deve acontecer com a menstruação, existindo a possibilidade de que, se uma mulher tiver um período menstrual muito doloroso, ela possa ficar em casa. Há um estudo que diz que 53% das mulheres sofrem de menstruação dolorosa e entre as mais jovens esse percentual chega a 74%. Isso é inaceitável e deve causar uma reflexão para os médicos e a sociedade", declarou a secretária ao jornal.
Além da cólica, há outros sintomas que podem tornar esse período desconfortável para algumas pessoas. De acordo com a ginecologista e obstetra Larissa Cassiano, os mais comuns são dor abdominal e inchaço, cólica intensa, dor de cabeça, enjôo, irritação, mudança no humor e no sono, dor na mama, ansiedade, crise de choro e pele com acne ou mais oleosa. Algumas mulheres chegam a desmaiar devido à dor intensa.
É o caso da analista de vendas Tábata Mocelin, de 35 anos, que possui endometriose e adenomiose.
A endometriose se desenvolve quando o tecido que reveste o interior do útero se encontra fora da cavidade uterina, normalmente em outros órgãos da pelve como trompas, ovários, intestinos e bexiga.
Já a adenomiose é a condição em que tecido endometrial cresce na parede uterina, pode causar sangramento menstrual intenso ou prolongado, cólicas fortes, dor durante a relação sexual ou coágulos sanguíneos durante a menstruação.
Tábata diz que seu ciclo menstrual começou aos nove anos e já nessa época sentia cólicas intensas, conforme seu crescimento os sintomas foram ficando mais severos.
“Além de dor na região do útero, sinto fortes dores nas costas e algumas vezes desce para as pernas, tenho diarreia e ânsia também”, diz a analista.
“Já ocorreu de ter escape menstrual durante o trabalho, sujando a calça, a cadeira e me deixando com um constrangimento enorme. Já fui várias vezes ao hospital para tomar medicação, algumas vezes o médico me deu atestado e outras não. Tive que retornar ao trabalho mesmo com as dores voltando depois dos efeitos do remédio”, relata.
Os sintomas severos já fizeram com que Tábata precisasse desmarcar compromissos com sua família.
“Quando vou programar alguma viagem confiro para ver se vou estar menstruada e se tiver eu nem marco, é impossível fazer alguma coisa nesse período. Algumas pessoas não entendem quando só quero ficar em casa, acham que é frescura."
Segundo a ginecologista, ainda existem outros tipos de doença que podem atrapalhar a mulher em sua rotina diária como: mioma e cistos ovarianos.
“Trabalhar com dor reduz a produtividade e foco de maneira significativa, além disso, neste momento muitas pessoas ficam mais sonolentas ou com mudanças na alimentação, fatos que interferem diretamente no trabalho. Permitir um afastamento nesse período pode trazer uma melhora global na produtividade”, declara a Dra Larissa.
Higiene Menstrual
Dia 28 de maio é celebrado o Dia Internacional da Dignidade e Higiene Menstrual, o objetivo da data é chamar atenção para ações e políticas públicas para que possam garantir itens básicos de higiene menstrual. Embora a menstruação seja um fenômeno biológico natural, ainda há milhões de pessoas que menstruam e não têm esse acesso.
A pobreza menstrual é caracterizada pela falta de acesso a recursos, infraestrutura e até conhecimento por parte de pessoas que menstruam para cuidados envolvendo a própria menstruação.
Segundo a ginecologista Larissa, infecção pélvica e urinária podem ocorrer caso a pessoa não tenha uma boa higiene menstrual.
De acordo com um levantamento feito pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com dados da Pesquisa Nacional de Saúde, de 2013 a 2018, mais de 4 milhões de meninas, entre 10 e 19 anos, não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas do Brasil. A população brasileira nesta faixa etária é de 15,5 milhões de adolescentes, segundo a pesquisa.
O documento também mostrou que 200 mil meninas não têm condições básicas para cuidar da menstruação no ambiente escolar e 713 mil vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em casa no Brasil.
Em enquete realizada pelo órgão com pessoas que menstruam, 62% afirmaram que já deixaram de ir à escola ou a algum outro lugar de que gostam por causa da menstruação, e 73% sentiram constrangimento nesses ambientes.
“Os dados apresentados demonstram como, no Brasil, crianças e adolescentes que menstruam têm seus direitos à escola de qualidade, moradia digna, saúde, incluindo sexual e reprodutiva violados quando seus direitos à água, ao saneamento e à higiene não são garantidos nos espaços em que convivem e passam boa parte de sua vida”, diz a Unicef.
Ações em prol da pobreza menstrual
A Unicef junto com seus parceiros, levaram itens de higiene para 55 mil adolescentes e jovens que menstruam e vivem em comunidades vulneráveis de Belém, do Recife e de São Luís.
Foram distribuídos mais de 120 mil pacotes de absorventes, e cerca de 5 mil adolescentes foram engajados na cocriação de soluções para o manejo menstrual, rodas de conversa e oficinas educativas com foco na dignidade menstrual.
Outro projeto, chamado “Oficina do Sucesso”, tem o objetivo de preparação e inserção no mercado de trabalho pela educação, cursos e atividades complementares. Este ano, a iniciativa vai levar informação para refletir sobre a falta de educação sexual à comunidade da Maré, no Rio de Janeiro.
A ação “Fluxo sem Tabu”, fornece itens de higiene íntima para as camadas mais vulneráveis da sociedade com doações que podem ser feitas pelo site e luta pela democratização do acesso à informação sobre o tema menstruação.
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