Desde o começo de 2023, o Brasil tem visto de perto a situação precária dos povos Yanomami. As notificações de risco pela desnutrição e contaminação pelo garimpo vêm sendo mencionadas por lideranças desde 2015. A indígena Pataxó, Ane Ketlheen, revela preocupação com a condição desses povos e enfatiza que, "me entristece ver nossos parentes sofrendo, com fome, algo que para nós, seria inimaginável em pleno o século XXI".
A líder Pataxó é graduanda de fisioterapia e fez parte de um projeto chamado “Livro Lugar” — concurso da Universidade Federal da Bahia que tem como prêmio a publicação de um livro de memórias. Assim, Ane estreou com "Tecendo Histórias do Meu Lugar", no final de novembro de 2022. A narrativa traz à tona os desafios dos pataxós, cantigas de proteção da mata, e ressalta uma homenagem para os avós de Ane: Zabelê e Zé Fragoso — Cacique da aldeia Tibá, localizada no sul da Bahia.
Em entrevista para o site da TV Cultura, Ane comenta o processo de escrita, mencionando sua indignação com a situação insalubre dos Yanomamis. “Fico inconformada que ainda existam pessoas passando fome no nosso país. Esses últimos quatro anos foram ainda mais cruéis para o nosso povo. Porque eles são nossos parentes, entendemos povos indígenas como parentes. Como nós, são protetores da mata, que hoje estão sofrendo com violência e miséria dentro da própria terra”, diz a estudante.
O Ministério da Saúde decretou emergência de saúde pública nas terras do povo Yanomami, em Roraima, diante do cenário de desassistência sanitária dentro do território. "O que as pessoas talvez não entendam, é que ainda somos nós [povos nativos] os protetores da floresta, guardiões. E sem natureza, não tem vida. Tudo na terra Yanomami, e o que a gente luta para não acontecer na nossa, é destruição feita por dinheiro e ganância", afirma Ane.
O território indígena Yanomami fica localizado entre os Estados de Roraima e Amazonas, área com mais de 30,4 mil habitantes. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), a terra Yanomami é habitada por oito povos e compreende uma área de 9,6 milhões de hectares (o equivalente a 13,8 mil campos de futebol). Essa área ainda não consta como demarcação oficial de terra indígena.
Ane relembra uma situação em Brasília ao lado de seu avô. “Eu era criança e estava pedindo a demarcação das nossas terras, muito tempo se passou e ainda não conseguimos esse direito”, diz.
Nesta última semana, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, recebeu representantes da Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá do Extremo Sul da Bahia (FINPAT) na sede da Fundação em Brasília. O assunto girou em torno da demarcação de territórios, uma reivindicação histórica do movimento indígena, e a presidente citou também a correlação entre expansão fundiária no campo e violência contra os povos originários.
"Meu avô acabou de voltar de Brasília para lutar, novamente, pelo processo de demarcação do nosso território. Quero que esse livro [Tecendo Histórias do Meu Lugar] encontre as pessoas do mundo todo para entenderem nossa luta, e a importância da demarcação. Meu intuito é que todos possam conhecer a história indígena contada por nós mesmos, e para isso, precisamos sobreviver", diz Ane.
A demarcação da terra indígena é importante para a sobrevivência dos povos nativos, já que, sem ela, pode haver a invasão ilegal, que gera problemas para essas populações. Como o caso do território yanomami em Roraima, cuja invasão gerou a disseminação de fome, doenças e um consequente genocídio.
"Tem uma cantiga da minha avó, que sempre me traz muitas lembranças, ela é assim: Xororó canta na mata, sabiá na laranjeira, canta, canta Zabelê, na subida e na ladeira. Em cima da ladeira ela avista a natureza [...] Minha avó falava com meu avô para ver como a terra do alto é linda, e continuará sendo, porque vamos continuar lutando", afirma a escritora pataxó Ane Ketlheen.
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