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Educação no Brasil: O que leva um jovem a cometer um ataque armado à escola?

Ao menos 23 episódios de violência extrema foram registrados nos centros educacionais do país nos últimos 20 anos


04/05/2023 08h40

Há pouco mais de duas semanas, um jovem de 13 anos invadiu a escola em que estudava e esfaqueou três colegas em Santa Tereza de Goiás (GO). O episódio foi o quarto ataque à escola registrado em um período de menos de 15 dias no país, o que deixou inúmeros questionamentos aos brasileiros: o que levaria um jovem a cometer tal atrocidade? A pergunta pode ser ainda mais perturbadora: A educação teria falhado no Brasil?

Para responder a essas perguntas e entender o aspecto psicológico envolvido nos ataques recentes às instituições educacionais, o portal da TV Cultura elencou algumas das principais informações debatidas no cenário nacional e conversou com uma doutora da Universidade de São Paulo (USP) especializada em Psicologia Escolar.

Dificuldade em lidar com a diversidade

A escola tem por definição ser um espaço destinado ao ensino coletivo que trabalha valores que prezam pela cidadania. De acordo com o Ministério da Educação, a Constituição da República tem como princípio a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. Dessa forma, um único ambiente garante direitos a indivíduos de “origem, raça, sexo, cor, idade, orientação sexual e religião” distintos.

Mas o que isso tem a ver com a violência? Segundo Adriana Marcondes Machado, doutora em Psicologia Social pela USP, a maioria dos casos de ataques acontecem por meio de discursos que entram em conflito com a diferença humana. É comum a presença de pensamentos misóginos e machistas nessas práticas, já que há uma dificuldade em saber lidar com o outro e conviver com a diferença.

Foto: Pixabay

O que se passa na cabeça do agressor?

Não há elementos definitivos que atuam como regra para que alguém cometa um ato violento, já que aspectos muito específicos daquela vida devem ser considerados. Para a psicóloga, é possível dizer que o agressor se conectou com elementos do campo social como a produção de isolamento e a lógica punitivista.

A prática do bullying e a existência de distúrbios psiquiátricos são apenas alguns fenômenos que podem configurar um cenário que envolve inúmeros outros fatores. Logo, reduzir a motivação dessas violências somente a esses aspectos pode ser uma atitude equivocada.

Um relatório desenvolvido no ano passado pelo professor Daniel Cara (FE-USP) destacou o processo de cooptação da extrema direita pelas mídias de conectividade que unem indivíduos que se sentem isolados por meio de um discurso de ódio.

A persuasão de ideias como “Você está mal? Quer destruir o que te faz mal? Quer acabar com a sua vida? Então, leve alguém com você”, são comuns nessas situações.

A doutora especializada em Psicologia Escolar explica que o isolamento não acontece do nada. Isto é, tem relações com a intolerância e o preconceito. O isolado não é quem não gosta de ficar sozinho. É uma pessoa que não consegue conexão. Já que o indivíduo passa a ser excluído e a se enxergar como “ninguém no mundo”, o ataque se torna um caminho para a visibilidade e uma forma de marcar a história. Ainda que de forma negativa. Para grupos extremistas, ele pode, inclusive, ser encarado como um herói.

Foto: Divulgação/Guarda Civil


O relatório do professor Daniel Cara foi desenvolvido após um adolescente de 16 anos vitimar três professoras e uma aluna de 12 anos em uma escola de Aracruz (ES) em novembro de 2022. O jovem portava uma suástica no braço, símbolo nazista.

“Quando a arma vem, o ato educativo falhou”

Esse enfraquecimento articulado com o discurso de ódio se encontram em um território onde a palavra não serve como ato, o que serve como ato é a arma.

“Não existe aspecto psicológico em si que mata, mas a arma tem justamente esse papel”, afirma a professora. 

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Aumento dos ataques no país

Segundo uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), divulgada em março deste ano, ocorreram 23 ataques de violência extrema nas escolas do Brasil nos últimos 20 anos. Se adicionados os atos violentos de abril, ao todo, foram mortos 28 estudantes e seis profissionais da educação. A professora Elisabete Tenreiro, de 71 anos, morta a facadas em março deste ano em São Paulo por um aluno de 13 anos, foi uma dessas vítimas.

Em um levantamento feito pelo portal da TV Cultura com base nas plataformas de notícias do país, entre 2002 e 2023 foram registradas 41 vítimas fatais durante os atentados (incluindo os atiradores). Nota-se que a partir de 2011 houve um aumento significativo de casos no Brasil.

Pânico coletivo

No dia 20 de abril, várias escolas e faculdades do Brasil amanheceram com salas de aula vazias. O motivo? Insegurança de pais e alunos por supostas ameaças de ataques.

“O medo é uma tecnologia que nos faz não ver o que está sendo importante. O efeito dominó é causado pela tecnologia do medo. Então, de repente, as instituições de ensino passaram a pensar em grades e seguranças, mas não em democracia da educação, não em ampliação da palavra”, expõe Adriana.

Onde falhamos?

Para responder essa questão, é possível traçar inúmeras proposições. Uma delas é o fortalecimento da lógica competitiva nas escolas na contemporaneidade. “Vestibulinhos” para crianças e o ranqueamento de escolas para definir os “melhores” e os “piores” alunos são exemplos de um sistema que produz corpos que “não aguentam mais”.

De acordo com a especialista, o que rege a competitividade é a presença de pessoas que ficam “de fora”. Estas, são deixadas para trás e muitas vezes sentem “eu merecia isso”, “sou ruim mesmo”.

“Essa lógica produz esse não pertencimento, essa exclusão que gera o pensamento ‘eu não devia estar aqui mesmo. Já que esse mundo me faz mal, eu destruo esse mundo”, destaca.

Outro ponto que também deve ser considerado é a frequente inibição da palavra, prática que reduz o diálogo e é cada vez mais recorrente no cotidiano educacional.

“Um cara bate em você na escola, boletim de ocorrência. Alguém ameaça o professor, boletim de ocorrência. Quando a lógica punitivista entra na educação, não tem palavra”, ressalta a educadora.

Ainda é possível afirmar que “a mídia também pode ser produtora de ataques”. A divulgação das cenas de agressão e dos criminosos pode servir como inspiração para possíveis autores de novos massacres. Justamente por isso, em uma iniciativa inédita em abril deste ano, diversas empresas jornalísticas optaram por omitir tais informações.

Por que escolas?

Foto: Getty Images

Era manhã de uma quinta-feira quando um homem de 25 anos pulou o muro de uma creche com uma machadinha e matou quatro crianças de menos de sete anos de idade. O crime que ocorreu em Blumenau (SP) virou assunto em todo o país.

A instituição de ensino é um espaço de construção de futuro exercido pela palavra. A professora explica que ter como alvo vulneráveis em um centro educacional não é um fenômeno aleatório: “O fato de serem crianças nos mostra que é um gesto de aniquilar futuro, em uma instituição que tem a transmissão do legado humano como missão”.

A doutora do Departamento da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade da USP, acredita que é necessário haver políticas inclusivas para uma educação mais acolhedora, tendo a palavra e a discussão como pilares essenciais.

“O que se deve questionar é o que estamos fazendo? Como estamos agindo como sociedade?”, conclui.

Leia também: Legião Estrangeira fala sobre acordo de paz na Ucrânia e coroação do rei Charles III nesta quarta-feira (3)

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