Uma vala comum com possíveis restos mortais do povo indígena xavante foi encontrada na Terra Indígena São Marcos, no município de Barra do Garças, no Mato Grosso. Embora existissem relatos a respeito da existência da vala, a sua materialidade só foi confirmada nesta semana. Segundo pesquisadores, foram enterrados indígenas vítimas de violações de direitos humanos no período da Ditadura Militar.
Após a descoberta, pesquisadores e 14 caciques xavantes reivindicam a identificação, registro e preservação dos sítios arqueológicos indígenas em áreas não demarcadas. A reivindicação foi enviada ao Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ao Ministério Público Federal (MPF) e à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
A pesquisa foi iniciada em 2019, com coordenação da arqueóloga e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Cláudia Plens. Os estudos também envolvem cientistas da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), da Polish Academy of Science, na Polônia, e da Universidade de Winnipeg, no Canadá.
Em junho deste ano foram identificados vestígios de antigas comunidades em territórios que, atualmente, estão em propriedades privadas. Entre as aldeias mais antigas está a “Bö’u”, que por estar em terreno particular se encontra em elevada situação de ameaça.
“Eles [sítios arqueológicos em propriedade privada] podem desaparecer. O fazendeiro pode passar a máquina, e toda a cultura material que poderia contar a história dos xavante pode ser destruída. É o patrimônio cultural dessa sociedade que pode desaparecer”, destacou a arqueóloga.
Entenda o caso
Em 1966, no período da Ditadura no Brasil (1964-1985), a população xavante de Marãiwatsédé foi vítima de remoção compulsória de seu território tradicional para a região de São Marcos, a cerca de 500 quilômetros de distância. O deslocamento foi feito em aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB), em meio a uma epidemia de sarampo.
Na ocasião, dezenas de indígenas foram acometidos pela doença e enterrados na vala comum.
"Os relatos dos anciões mostram que, inicialmente, começava a morrer algumas pessoas que foram enterradas de forma individual e conforme os rituais. Depois, como morriam mais de 10 pessoas por dia, eles eram carregados em carrocerias puxadas por um trator para serem colocadas na vala comum", afirmou o professor de antropologia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Paulo Delgado, em entrevista ao g1.
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Segundo Delgado, com esses estudos os Xavantes podem ainda solicitar uma reparação devido à violência histórica a que eles foram submetidos.
"Sabemos que a ditadura vitimou dezenas de políticos, jornalistas e há uma grande quantidade de pessoas desaparecidas, e com os povos indígenas não foi diferente. Morreram mais indígenas do que não-indígenas", enfatizou o professor, que também assina o texto enviado às autoridades.
Um dos trechos do documento detalha ainda mais o conflito: “Os sobreviventes, conforme relataram os interlocutores a essa pesquisa, naquela época, desejaram veementemente retornar a seus antigos locais de moradia em virtude não só da crise humanitária gerada pelo sarampo, mas, também, pela convivência forçada com um grupo xavante que lhes era hostil”.
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