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O coronavírus já não é mais o mesmo: desde que foi detectado pela primeira vez em janeiro de 2020 na cidade de Wuhan, na China, ele passou por uma série de modificações e atualizações em seu código genético.

Uma das alterações que mais chamaram a atenção apareceu recentemente na cidade de Manaus. Essa nova variante detectada na capital amazonense no começo de janeiro levanta uma série de preocupações em grupos de pesquisa e autoridades sanitárias do mundo inteiro.

A nova cepa, que ganhou o nome de P.1, foi flagrada pela primeira vez no dia 10 de janeiro em quatro indivíduos que desembarcaram em Tóquio, no Japão, após uma viagem para o Amazonas.

Alguns dias depois, um estudo que envolveu mais de dez instituições brasileiras, inglesas e escocesas detectou os primeiros casos da variante na própria cidade de Manaus, que tudo indica ser o local de origem dessas mutações.

Na noite de terça-feira (26/01), o Laboratório Estratégico do Instituto Adolfo Lutz confirmou os primeiros três casos da linhagem manauara no Estado de São Paulo.

Junto com o agravamento da pandemia no país, o achado de uma nova variante por aqui fez com que vários países restringissem ou proibissem voos que têm como origem ou destino o Brasil.

O último governo a adotar tal medida foi Portugal, que anunciou a suspensão do tráfego aéreo na tarde desta quarta-feira (27/01).

Além de Japão e Brasil, outros seis países já flagraram a P.1 em seus territórios: Itália, Coreia do Sul, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido e as Ilhas Faroe, um arquipélago europeu localizado entre a Islândia e a Noruega.

No entanto, ainda não há transmissão local nesses lugares: pelo que se sabe até o momento, todos esses casos foram importados do Brasil. Ao que parece, o diagnóstico rápido barrou o espalhamento da nova cepa por essas nações.

Mas por que a variante de Manaus preocupa tanto? E o que ela pode significar para o enfrentamento da pandemia?

Avanço rápido em Manaus

No dia 12 de janeiro, especialistas do Imperial College London, da Universidade de Oxford, da Universidade de São Paulo, da Universidade Federal de Minas Gerais e de outras cinco instituições publicaram o primeiro alerta sobre a nova variante.

Eles fizeram a análise genética de amostras colhidas de 31 pacientes manauaras com covid-19 que foram diagnosticados entre os dias 15 e 23 de dezembro de 2020. Desses, 13 (ou 42% do total) já apresentavam a P.1.

Na última segunda-feira (25/01), o mesmo grupo publicou uma atualização da pesquisa, em que foram contabilizado um número maior de amostras colhidas do final de dezembro até o início de janeiro.

Entre os dias 15 e 31 de dezembro, 35 das 67 amostras estudadas eram infecções causadas pela nova cepa. Isso representava 52% do total.

Já entre os dias 1º e 9 de janeiro, 41 das 48 amostras de casos de covid-19 avaliadas tiveram o P.1 como causador, o que significa 85% do total.

Esse crescimento de 33 pontos percentuais num período de apenas duas semanas é um sinal de alarme, como admitem os responsáveis pela pesquisa:

"A nova análise inclui mais dados e sugere que os casos de covid-19 em Manaus estão sendo causados pela transmissão local da linhagem P.1, embora outras linhagens continuem circulando", escrevem.

Em outro trecho, os cientistas pedem cautela com as informações disponíveis até o momento. "Os resultados devem ser considerados preliminares. Dados mais robustos e representativos são necessários para investigar com mais detalhes as mudanças e a frequência desta linhagem em Manaus e em outros lugares".

Observações preocupantes

Durante uma pandemia, é esperado que os vírus sofram mutações e se adaptem a novos cenários e desafios.

Esse tipo de fenômeno era tão previsível que diversos cientistas espalhados por todo o mundo já estavam acompanhando as evoluções e mutações no vírus desde que a pandemia começou a se alastrar, no primeiro semestre de 2020.

As primeiras variantes do coronavírus que levantaram maior preocupação na comunidade internacional foram detectadas ao longo do mês de dezembro no Reino Unido e na África do Sul.

Os estudos genéticos indicavam que essas novas cepas haviam sofrido mutações nos genes que codificam a espícula, uma estrutura que fica na superfície do vírus e permite que ele invada as células do corpo humano para iniciar a infecção.

Isso, em tese, tornaria o coronavírus ainda mais infeccioso - uma vez que ele tem mais facilidade em "invadir" as células do corpo humano - e permitiria que ele se espalhasse mais entre a população.

Essa maior virulência foi observada na prática em alguns lugares do Reino Unido, por exemplo, onde a curva de novos casos cresceu vertiginosamente de uma hora para outra ao longo dos últimos meses de 2020.

O cenário preocupante exigiu lockdowns rigorosos em algumas regiões da Europa e até fez com que líderes de alguns países fechassem o espaço aéreo e restringissem a entrada de estrangeiros.

"O que nos chama a atenção é que recentemente aumentou o número de variantes detectadas e algumas delas apresentam mutações iguais, mas têm origens geográficas diferentes", contextualiza o virologista Fernando Spilki, professor da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul.

Mas por que esse fenômeno se tornou mais frequente nos últimos meses? "Nós atribuímos isso ao fato de que, na segunda onda, as medidas de restrição não foram tão efetivas quanto na primeira. Com isso, o vírus ganhou muito espaço para se disseminar e sofrer essas mudanças", responde o especialista, que também é coordenador da Rede Corona-Ômica, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação

Além da variante de Manaus, nos últimos dias cientistas brasileiros também flagraram novas cepas do coronavírus no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Ainda não se sabe ao certo o impacto delas no atual estágio da pandemia.

O que a variante de Manaus tem?

A exemplo do que ocorreu nos exemplos citados acima, os estudos com a linhagem manauara indicaram a presença de mutações com potencial de agravar ainda mais o cenário da pandemia.

A primeira delas é a N501Y, que também aparece nas cepas do Reino Unido e da África do Sul. Essa alteração genética mexe justamente na tal da espícula, tornando o vírus ainda mais infeccioso.

Outras duas mutações presentes na P.1 são a E484K e a K417T. Pelo que se sabe até o momento, elas "atualizam" o coronavírus e permitem que ele drible o sistema imune. Isso pode acontecer em indivíduos que já tiveram a covid-19 antes.

"Alguns estudos indicam que essas mutações podem ajudar o vírus a escapar dos anticorpos neutralizantes, da imunidade natural obtida após a infecção por outras variantes ou pela vacinação", explica o virologista Felipe Naveca, do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/FioCruz Amazônia), em Manaus.

Essa possibilidade, claro, precisa ser melhor estudada pelos cientistas antes de ser confirmada oficialmente.

Não se sabe por enquanto se a nova linhagem é mais agressiva ou está relacionada a quadros mais graves de covid-19.

Mas o fato de ela atingir mais pessoas já representa um risco de lotação e até colapso dos sistemas de saúde, o que certamente tem impacto na mortalidade.

Reinfecção confirmada

No dia 17 de janeiro, Naveca e uma equipe de 25 cientistas publicaram um artigo que descreve o primeiro caso de reinfecção pela nova variante.

Trata-se de uma mulher de 29 anos que reside no Amazonas e teve covid-19 diagnosticada pela primeira vez no dia 16 de março de 2020, quando apresentou febre, tosse, dor de garganta e dores espalhadas pelo corpo.

No dia 19 de dezembro, a mesma paciente voltou a apresentar sintomas sugestivos da infecção pelo coronavírus (febre, tosse, dor de garganta, diarreia, perda de olfato…). Um teste comprovou que ela estava com a doença novamente.

A análise genética feita nas amostras colhidas em março e em dezembro revela que o segundo episódio foi provocado pela P.1.

"Há outros casos em investigação, mas esse foi o primeiro que preenche todos os critérios que permitem afirmar que se trata, sim, de uma reinfecção", aponta Naveca.

Mais infectados?

Apesar de as mutações detectadas indicarem uma maior virulência, não é possível creditar à nova linhagem todo o caos que tomou conta do sistema de saúde de Manaus nas últimas semanas.

"Não podemos acusar a variante de toda essa mortandade e confusão. Isso é obra nossa e se deve a uma falha no sistema de contenção do vírus e na preparação dos hospitais", analisa o médico virologista Amilcar Tanuri, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Em outras palavras, por mais infeccioso que o vírus tenha se tornado, as medidas de prevenção, como o uso de máscaras, o distanciamento físico e a lavagem de mãos, continuam efetivas.

Além disso, a segunda onda que surgiu na Europa a partir de agosto e setembro de 2020 já era um indicativo de que as coisas iriam se complicar novamente por aqui também.

Portanto, se as medidas individuais e coletivas de contenção da pandemia tivessem sido respeitadas e reforçadas, o estrago poderia ter sido bem menor na capital do Amazonas (e em outras cidades do Brasil inteiro, diga-se).

E as vacinas?

As mudanças no código genético do coronavírus também levantam o temor de que as novas linhagens consigam "escapar" das vacinas que já estão sendo aplicadas em muitos países, inclusive no Brasil.

Afinal, se as novas cepas desenvolveram estratégias para fugir dos anticorpos neutralizantes produzidos pelo sistema de defesa, será que elas também diminuem a eficácia dos imunizantes?

Pelas análises feitas até o momento, esse risco parece ser baixo. Testes feitos com as vacinas da Pfizer/BioNTech e da Moderna revelam que as doses são capazes de proteger contra as variantes encontradas na África do Sul e no Reino Unido, o que certamente é uma boa notícia.

Especialistas até especulam que pode acontecer uma diminuição de eficácia em algumas vacinas, mas nada que comprometa seu uso em larga escala ou seus efeitos de proteção coletiva.

Em relação à versão manauara, ainda não há nenhum estudo que avalie o poderio das vacinas diante dessas mutações.

Independentemente disso, o aparecimento das novas linhagens reforça a necessidade de vacinar o maior número de pessoas com muita rapidez.

"Quanto mais gente imunizada, menor a chance das variantes aparecerem ou se espalharem", concorda Tanuri.

Formas de se proteger

Mesmo diante de novas cepas, as orientações de prevenção continuam as mesmas.

É importante ficar em casa sempre que possível e, ao sair, preferir ambientes abertos e bem arejados, sempre usar máscaras e manter uma distância de 1 a 2 metros de outras pessoas. Lavar as mãos com água e sabão ou álcool em gel é outra atitude imprescindível.

"Nós precisamos frear a evolução desse vírus e só fazemos isso diminuindo a taxa de transmissão entre as pessoas" complementa Naveca.

Do ponto de vista comunitário, especialistas defendem que as autoridades em saúde pública tomem medidas para diminuir a circulação de pessoas e quebrar a cadeia de transmissão do vírus entre cidades ou Estados.

No contexto internacional isso já está acontecendo: nas últimas semanas, países como os Estados Unidos, Reino Unido e Portugal adotaram uma série de restrições a voos vindos do Brasil..

Um relatório do Observatório Covid-19BR sugere que os governos adotem precauções com as viagens intermunicipais e interestaduais neste momento:

"De forma preocupante, são aeroportos que também apresentam potencial para espalhar rapidamente novas variantes para outras regiões. Nesse sentido, recomendamos máxima atenção aos Estados receptores de grande número de viajantes da região de Manaus e às autoridades de vigilância sanitária no governo federal".

Em outro trecho, o documento escrito por um coletivo de pesquisadores brasileiros chama a atenção para as comunidades do interior da Amazônia:

"Lembramos também que há uma extensa rede de comunicação fluvial entre as populações ribeirinhas ao longo dos rios Negro, Solimões e Amazonas, que inclui capitais na Colômbia e no Peru. A atenção dada aos Estados receptores de viajantes de Manaus se estende, com maior preocupação, a essas comunidades, principalmente àquelas de difícil acesso".

Com a confirmação dos primeiros casos da nova linhagem em São Paulo, pode parecer um pouco tarde para conter o seu espalhamento pelo país. Mas Spilki afirma que políticas do tipo podem ajudar a controlar o número de novos casos.

"Medidas de restrição ajudam a quebrar as cadeias de transmissão, independentemente da cepa do coronavírus que estiver em maior circulação", reforça o virologista.


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