Na semana passada, comentei aqui na coluna algumas questões sobre inteligência artificial (IA) e o universo dos quadrinhos. Não trouxe, claro, conclusões – a começa está muito no começo. Trouxe considerações que podem virar outras considerações e assim por diante.
Quis voltar ao tema esta semana. Afinal, é um universo misterioso e gigantesco que se descortina à nossa frente. São dezenas e dezenas de pontos que poderíamos abordar aqui. Então, para me ajudar a afunilar, pedi ajuda para uma parte “interessada”: a própria IA.
Pedi à inteligência artificial que me enumerasse cinco questões em que os criadores de quadrinhos devem se preocupar com o uso da própria IA... E vou comentar em cima dos temas propostos por ela.
E, claro, só para deixar claro: são só comentários. Não tenho certeza absoluta nem respostas para este tema tão complexo (aliás, para muitos temas, veja bem).
A arte gerada por IA poderia se tornar tão sofisticada a ponto de substituir a necessidade de artistas humanos na criação de quadrinhos, afetando a segurança do artista no emprego e sua contribuição criativa?
Acredito que não. Mas talvez obrigue a mudar bastante alguns processos criativos e editoriais, da concepção dos roteiros à escolha de capas, da tradução à revisão, das pesquisas para textos e artes mais apurados ao levantamento de dados para contextos histórico e geográfico.
Com a capacidade da IA de imitar estilos artísticos, como o artista humano diferenciará seu trabalho e garantirá que ele mantenha seu toque humano exclusivo em um mercado saturado de quadrinhos gerados por IA?
Não sei se (ou quando) a arte de IA ficará indistinguível de ilustrações humanas, mas é uma ótima pergunta. Como a IA não “cria” de verdade, mas se apropria de conteúdo feito anteriormente por humanos, talvez, por mais evoluída que esteja, não se torne indissociável de arte humana. Talvez este palpite se comprove verdade a curto prazo, mas a médio, não tenho nem como prever.
Outra pergunta relaciona a esta é: um leitor vai querer ler uma HQ criada sem nenhum toque humano? Talvez haja uma “moda” movida por curiosidade: “IA cria HQ simulando sua autobiografia se fosse humana”; “IA cria HQ autobiográfica”; “IA cria histórias para Batman, Tintim, Astro Boy, Piratas do Tietê, Madam & Eve...”.
Uma questão interessante é, por exemplo, e a IA conseguir criar personagens e layouts emulando perfeitamente a arte de craques como Dick Sprang, Hergé, Osamu Tezuka, Laerte e Rico Schacherl. Mas aí seria uma espécie de fanfic (ficção de fã) feita por inteligência artificial – ainda vão criar uma sigla para isto... “AI-Fic”? “AI Fanfic”? Talvez essa “AI-Fic”, assim como a fanfic tradicional, tenha seu nicho de leitores. Mas não a ponto, acredito, a ponto de saturar o mercado ou de confundir o leitor sobre quem criou de fato aquela HQ.
Fora isso... Acredito que, na hora da comercialização, seria ético das editoras explicaram o que vem de inteligência artificial (a arte, o roteiro, o esboço do roteiro etc). Mais do que despertar o interesse, isso é importante para esclarecer o consumidor do produto que está comprando.
Se a IA se tornar uma ferramenta comum para criar layouts e painéis de quadrinhos, ela diminuirá o valor da arte tradicionalmente desenhada à mão e das habilidades artísticas que o artista aperfeiçoou?
Acredito que não. Para mim, nenhum conhecimento é inútil: são ferramentas que podem (e são) utilizadas, às vezes inconscientemente. E acredito que o artista que de fato dominar a diagramação de layout e painéis não vai abrir mão de fazer ele mesmo este trabalho.
A geração de arte por IA geralmente levanta preocupações éticas sobre propriedade e direitos autorais. Como o envolvimento da IA na criação de quadrinhos afetará os direitos de copyright?
Outra pergunta interessante. Mas acredito que a IA é uma ferramenta auxiliar, como o lápis, o pincel, o teclado e os demais softwares, não o criador final. Não sei como a legislação será definida, mas acredito que o crédito por uma arte feita por IA será sempre do “DJ” por trás de sua programação, e não do programa.
Alguns temem que a IA possa homogeneizar os quadrinhos, produzindo histórias e visuais estereotipados. Como os criadores humanos podem garantir que a IA continue sendo uma ferramenta para aprimorar a narrativa e não substituir o coração e a alma dedicados à criação de histórias em quadrinhos exclusivas?
Não compartilho dessa criação. Por mais que uma parte do público prefira um tipo de arte ou gênero específico (super-heróis, terror, experimentais), sempre haverá artistas experimentando outras áreas – ou revolucionando os gêneros já consagrados.
Há um livro muito interessante sobre isso, e recomendo aqui: “Desvendando os Quadrinhos”, de Scott McCloud. Ele aborda muitos e muitos temas e é incrível, mas a parte final passa por essa questão de “homogeneização” – e experimentação.
ps – todas as ilustrações desta coluna foram feitas por IA
Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.
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