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Há alguns dias, extremistas apoiadores de Donald Trump invadiram o Congresso dos Estados Unidos. Eles queriam impedir que fosse homologada a vitória do democrata Joe Biden na eleição presidencial americana. Os invasores usaram o argumento mentiroso de que houve fraude em massa no pleito para justificar o ato.

O que isso tem a ver com histórias em quadrinhos? Alguns dos invasores usavam camisetas de um dos maiores personagens da Marvel: o Capitão América.

Neal Kirby não gostou disso. Ele é filho de Jack Kirby, um dos maiores quadrinistas de todos os tempos e cocriador do Capitão América. Neal divulgou uma "declaração aos insurrecionistas", publicada por Jack Tapper, jornalista da CNN.

Separei alguns trechos:

"Meu pai, Jack Kirby, junto com seu parceiro Joe Simon, criou o Capitão América em 1941. Talvez o símbolo mais icônico do patriotismo americano desde o 'Espírito de 1776' [icônica pintura de Archibald Willard], o Capitão América permaneceu como símbolo e protetor de nossa democracia nos últimos 79 anos. O Capitão América foi criado por dois rapazes judeus de Nova York que odiavam nazistas e valentões."

Neil Kirby, claro, está certo. O personagem surgiu durante a Segunda Guerra Mundial. Nos primeiros anos de existência, todos os principais rivais eram nazistas. A primeira aparição do personagem, na capa da revista “Captain America” nº 1, de março de 1941, mostra o Capitão América dando um soco na cara de Adolf Hitler.

Neil Kirby continua: "Enquanto assistia a um dos vídeos horríveis da invasão do Congresso, fiquei com a impressão de ter visto alguém com uma camiseta de Trump como o Capitão América. Fiquei chocado e mortificado. Acho até que vi alguém com um escudo do Capitão América. Uma rápida pesquisa no Google mostrou a imagem de Trump como o Capitão América em camisetas, pôsteres e até em uma bandeira! Essas imagens são nojentas e vergonhosas."

Um fato inegável da trajetória do Capitão América é ele ser patriota. Olha o nome dele. E o uniforme, claro: a bandeira dos Estados Unidos. Também é inegável que o personagem não tem fé cega em seu país. Ele é crítico.

Em 1974, Richard Nixon renunciou à presidência dos EUA após o Watergate, o maior escândalo político norte-americano até então. No mesmo ano, nas HQs, o Capitão América descobre um escândalo político que, tudo leva a crer, é comandado pelo presidente. No finalzinho da saga, descobre-se que o responsável é um senador. Mesmo assim, indignado com a corrupção no alto escalão do poder, o Capitão América pede demissão. Assume um novo uniforme (que não tem nada a ver com bandeira nenhuma) e um codinome que é praticamente o oposto do anterior: ele vira o Nômade. Sim, o Nômade, aquele que não tem casa fixa e está sempre viajando.

Volto a citar Neil Kirby: "O Capitão América é o oposto absoluto de Donald Trump. Ele é altruísta, Trump é egoísta. O Capitão América luta por nosso país e por nossa democracia, Trump luta por poder pessoal e autocracia. Onde o Capitão América está com o homem comum, Trump está com os poderosos e privilegiados. Onde o Capitão América é corajoso, Trump é um covarde. Capitão América e Trump não poderiam ser mais diferentes. Meu pai, Jack Kirby, e Joe Simon, criadores do Capitão América e veteranos da Segunda Guerra Mundial, ficariam completamente enojados com essas imagens. Elas são um insulto às memórias de ambos.”

Cabe aqui mais um exemplo de quando o Capitão América mostrou ter mais consciência do que um patriotismo cego. A presidência norte-americana voltou a se envolver em um escândalo em 1986, com o caso Irã-Contras. Em uma saga de 1987, o governo norte-americano quer que o Capitão vire um agente que aja apenas pelo governo (ou seja, ao presidente do momento) em vez de pelo povo americano. O que o herói faz? Renuncia de novo, mais uma vez mudando de identidade. Agora, ele passa a combater o crime com um uniforme mais sombrio e um terceiro codinome: Capitão.

As duas fases, a do Nômade e a do Capitão, foram temporárias, e o personagem voltou a assumir o uniforme e o codinome que o deixaram famoso.

O posicionamento do Capitão América, ainda que mais discreto, também aparece nas telonas, dentro do Universo Cinematográfico Marvel. Após o final dos eventos de “Capitão América – Guerra Civil”, em que ele discorda das decisões tomadas pelo governo americano, o personagem abandona seu icônico escudo e passa a usar um uniforme mais distante da bandeira americana. Seu traje no filme seguinte, “Vingadores – Guerra Infinita”, é bem mais escuro, em vez do azul tradicional, e não em mais a estrela branca, apenas o decalque de onde ela estava. E sem o escudo.

Será que haverá um reflexo da invasão de 6 de janeiro de 2021 nas histórias do Capitão América? Tomara que sim. Os dois últimos grandes escândalos da política norte-americana geraram histórias interessantes.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. Nascido e criado em São Paulo, é filho de um físico luso-angolano e de uma jornalista paulistana.

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