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Quando eu era jovem, era difícil achar camisetas de personagens de quadrinhos que não fossem da Turma da Mônica ou da Disney. Uma vez, viajei ao exterior a trabalho e encontrei uma loja cheia destes sonhos de consumo nerd. Não pensei duas vezes: comprei uma do Quarteto Fantástico – as histórias criadas por John Byrne marcaram a minha geração da mesma maneira que as de Stan Lee e Jack Kirby marcaram a geração do próprio Byrne.

Quando voltei, fui ver a minha família com a camiseta do Quarteto. O comentário que ouvi foi:

- Que camisa bonita, mas o que é esse “4”?

Isso, claro, foi antes de o gênero dos super-heróis virar mais pop que o próprio pop, impulsionado pelo sucesso do Universo Cinematográfico Marvel (MCU, para os íntimos).

E eis que a Marvel divulgou, no mês passado, um vídeo com trechos dos próximos lançamentos. Eram cenas inéditas e plasticamente lindas, como de hábito. Mas a novidade estava no final do vídeo, e não era uma cena, mas uma imagem estática: apenas um “4”, o mesmo que minha família não soubera identificar mais de uma década antes.

Aquele “4”, sem nenhuma legenda acompanhando, dizia muito. A Marvel vai lançar um filme do Quarteto Fantástico – a princípio em 2023 e dirigido por Jon Watts (que fez os dois longas do Homem-Aranha para o MCU).

Fãs se empolgaram – eu inclusive, lógico. A novidade me fez procurar quatro sagas do Quarteto Fantástico que eu acho que dariam bons espetáculos cinematográficos. Se estiver lendo esta coluna, Kevin Feige, fica a dica!

Só deixei de lado uma história que seria rocambolesca demais para um filme só. Lançada em 1963, ela foi tão marcante que, décadas depois, três roteiristas deram um jeito de fazer seus personagens viajarem no tempo (ou algo assim) para participarem dela: Doutor Estranho, Vingadores e Apocalipse (inimigo dos X-Men). Em todas as vezes, era necessário dar um jeito de os heróis em questão não atuarem diretamente, ou estragariam a história original – conto sobre esta história no site Hábito de Quadrinhos, irmão desta coluna.

Enfim, aqui vão minhas ideias para o filme da Marvel:

O casamento do Senhor Fantástico e da Mulher Invisível, de Stan Lee e Jack Kirby

O Quarteto Fantástico não é uma equipe comum de super-heróis. Antes disso, é um grupo de cientistas-exploradores – inclusive, foi assim que ganharam seus poderes. Mas, além de serem heróis e cientistas, são, sobretudo, uma família. É esse conceito que une seus personagens por décadas de cronologia – inclusive com o nascimento e o crescimento dos dois filhos de Reed “Senhor Fantástico” Richards e Susan “Mulher Invisível” Storm.

Lançada em 1965, a história do casamento entre Reed e Sue é uma fanfarronice divertida de apenas 23 páginas, com aparição de mais de 60 personagens importantes da Marvel (sim, eu contei) - inclusive, claro, os criadores do Quarteto: Stan Lee e Jack Kirby.

Se a Marvel buscar uma história mais familiar e emocional, como foram os dois primeiros filmes do Homem-Aranha no MCU, esta é uma boa pedida.

A saga de Galactus, de Stan Lee e Jack Kirby

Lançada em 1966, esta é uma saga cósmica que parte de um ponto de partida assustador: existe por aí, rondando o universo, um ser quase divino que se alimenta de planetas inteiros, habitados ou não. E o próximo almoço dele será, claro, o planeta Terra.

Em apenas três histórias curtas de 20 páginas cada, o leitor é bombardeado por uma série de conceitos inovadores e que até hoje têm papel importante dentro do Universo Marvel dos quadrinhos: uma raça não-humana superpoderosa vive escondida da humanidade (os Inumanos); uma espécie de raça de deuses imortais observa a humanidade desde seu surgimento (como Uatu, o Vigia); e a criação de duas criaturas emblemáticas: o dramático herói Surfista Prateado e Galactus, o “deus” comedor de planetas.

Esta saga seria minha sugestão para um filme mais “cósmico”, com direito a viagem à Lua e tal. Sei que já serviu de base para um filme do Quarteto, em 2007, mas dá para fazer melhor. Muito melhor.

Explorando a Zona Negativa, de John Byrne

Todo universo de super-heróis que se preze tem múltiplas dimensões. E uma das mais interessantes da Marvel é a Zona Negativa, onde as leis da física como as conhecemos não se aplicam. Até o tempo lá corre de uma maneira diferente – semanas na Zona Negativa equivalem a dias ou horas fora dela.

Mencionei lá em cima que o Quarteto é uma equipe de cientistas-exploradores. Em 1983, o criativo e talentoso John Byrne levou este conceito a seu ápice: o Quarteto foi passar algumas semanas explorando essa dimensão desconhecida, seus planetas e habitantes. Ou seja, a princípio, nada de vilões ou heróis, de malvados ou bonzinhos. As histórias viraram um misto de ficção científica, drama e a aventuras.

Esse é o lado do Quarteto que eu mais gostaria de ver nas telonas: uma família de cientistas, que por acaso tem poderes, se aventurando para descobrir novos mundos – literalmente.

O julgamento de Reed Richards, de John Byrne

Lembra que eu citei Galactus, o semideus comedor de planetas? Em uma aventura incrível de 1982, o Quarteto Fantástico salva a vida de Galactus – mesmo sabendo que talvez ele voltasse a se alimentar de planetas habitados, matando outros seres vivos.

Anos depois, Galactus se alimenta de um planeta habitado. E um tribunal formado por juristas alienígenas decide que Reed Richards, o líder do Quarteto Fantástico, deve ser julgado por isso. Afinal, ao salvar a vida de Galactus, ele não assumiu o risco de se tornar cúmplice dos atos do gigantesco semideus? Uma história diferente de todas as outras, para um grupo de super-heróis diferente de todos os outros.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romance “Venha me ver enquanto estou viva” e da graphic novel “Púrpura”, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.