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Krazy Kat, Calvin e Haroldo, Batman, Shazam, Habibi, Sandman, Watchmen, Maus...

A cultura de quadrinhos dos Estados Unidos é gigantesca. Personagens, autores, gêneros... O Brasil recebeu, este ano, um livro sobre a história das HQs norte-americanas: História dos Quadrinhos: EUA, de Diego Moureau e Laluña Machado.

Trata-se de um livro de mais de 900 páginas, escrito após uma pesquisa extensiva sobre o assunto. Para esta coluna, em vez de ficar apenas dando meus pitacos, resolvi falar com os dois autores – afinal, haja informação para conseguirem escrever mais de 900 páginas!

As entrevistas foram feitas separadamente e separei apenas alguns trechos para esta coluna – ou ela ficaria gigantesca. A entrevista completa com cada um está no site Hábito de Quadrinhos, primo-irmão desta coluna.

Os entrevistados são:

Laluña Machado, historiadora e pesquisadora brasileira da área de histórias em quadrinhos; e

Diego Moreau, sócio da Skript, editor e autor.

Durante a pesquisa, o que os surpreendeu? O que vocês mais gostaram de aprender?

Laluña - O mais importante pra mim foi a descoberta de inúmeras artistas, roteiristas, editoras, coloristas, personagens femininas… Mulheres que foram apagadas da bibliografia dos quadrinhos.

Diego - Nossa, muita coisa. Sempre falava para meus orientandos de TCC: você acha que conhece um assunto até começar a pesquisar. Aí você descobre que não sabe nada. Aprendi que fatos consumados, como a falência da Fawcett que resultou na venda do Captain Marvel (Capitão Marvel/Shazam) para National/DC, são apenas lendas urbanas da nona arte. Entendi a real importância de alguns autores/personagens que sempre ouvi falar, mas não tinha estudado o motivo dessa relevância. E entrei em contato pela primeira vez com obras/artistas que não tinham passado pelo meu radar até então. E são peças fundamentais na evolução na nona arte, influenciado muita, muita gente.

Vocês veem paralelos entre o desenvolvimento da história dos quadrinhos nos EUA e no Brasil? Ou há mais diferenças do que semelhanças?

Laluña - Acho que por ser (em parte) uma arte universal, claro que vamos identificar semelhanças. Porém, os gringos não têm Marcelo D'Salete, Fefê Torquarto, Rafael Calça, Manu Cunhas, Hugo Canuto, Bianca Pinheiro, Fabi Marques, Beatriz Fharmi, Lu Cafaggi… e tantos outros. Nossas singulares são gritantes.

Diego – Como em vários mercados culturais, o cinema e a TV por exemplo, creio ter mais diferenças entre os países. Sem entrar no mérito se é melhor ou pior, lá houve uma indústria. Mesmo com todos os atropelos (e maldades) que relatamos no livro, tinha um cenário que permitiu o crescimento. Aqui, por diversos fatores, apenas recentemente vivemos um fortalecimento e expansão da produção nacional. Tivemos várias editoras no Brasil ao longo das décadas? Sim. Mas o grosso do material era de licenças. Mauricio de Sousa, sempre, vira o exemplo quase solitário de sucesso. Outra prova da diferença está na publicidade. Enquanto nos EUA, por anos, as revistas vinham com anúncios, aqui elas sobreviveram praticamente do preço de capa.

Se você pudesse escolher apenas três obras de HQs dos EUA das quais você mais gosta, quais você escolheria e por quê? (Eu sei que essa pergunta é complicada: a minha resposta de hoje provavelmente seria diferente da minha resposta de sete dias atrás...)

Laluña - Pergunta difícil. Ainda mais que eu absorvo o quadrinho de forma orgânica e isso vai mudando com o tempo.

Contudo, minha apreciação por Habibi, do Craig Thompson, não muda. A obra me abraça tanto com a arte incrível, incrível mesmo… E o roteiro é muito bem escrito, além de toda a pesquisa que foi desenvolvida.

Diego - Não consigo fazer listas! Me sinto um pai que abandona algum filho. Mas tentarei, numa seleção puramente pessoal, baseada na relação emocional que tenho com elas.

1.Batman - O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller e Klaus Janson. Batman é meu personagem favorito e essa minha HQ favorita. Inclusive por, ao lado deMaus e Watchmen, ter mudado a História dos quadrinhos. 1986, com as três chegando juntas aos pontos de venda, foi um ano mágico.

2.Calvin e Haroldo, de Bill Watterson. Como falei no livro, essa é a HQ que chegou a moldar a minha personalidade (apesar de já estar saindo da infância quando ela surgiu). O que, pensando bem, explica muita coisa.

3.Sandman, de Neil Gaiman e vários artistas. Na sala VIP ali, que tem “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, “Watchmen” e “Maus”, Gaiman senta na ponta da mesa. O que ele fez aqui é arte com A maiúsculo. Se levar em consideração, também, o impacto comercial, é a mais importante HQ dos EUA. O momento em que, finalmente, os quadrinhos ganharam espaço nas prateleiras ao lado dos livros. E ainda por cima é bom demais de (re)ler!

Sempre entendi que os quadrinhos norte-americanos podem ser divididos em três grandes tipos, que acabam se dividindo mais ou menos assim nas livrarias locais: as tiras de jornais; os quadrinhos do gênero de super-heróis, que acabaram se desenvolvendo tanto que viraram algo à parte; e os demais títulos, de underground para adultos a HQs infantis. Essa divisão faz sentido para você?

Laluña - Absurdamente. Quadrinhos é uma mídia e vertente cultural como qualquer outra. Cinema tem categorias, literatura tem categorias, música tem categorias… isso também vale para os gibis.

Essas divisões ficam mais nuas nos EUA, porque de alguma forma lá é tido como um "farol" para a arte sequencial. Ou seja, é algo mais visualizado, mais percebido por ter atingido uma gama de consumo interno e externo que alguns países não conseguiram.

Diego - Faz, apesar de não gostar e de muitas obras terem furado essas barreiras sendo impossíveis de classificar. Mas é que no começo havia sim uma divisão bem clara entre as tiras, consideradas nobres, e as revistas em quadrinhos, consideradas lixo. Nas revistas, com a Era de Ouro, os super-heróis acabaram dominando o meio a ponto de praticamente virarem sinônimos do veículo (mesmo existindo uma vasta produção de outros gêneros, como o mencionado infantil, algo que se intensificou já no pós Segunda Guerra). Com o surgimento do underground comix, na virada das décadas de 60/70, novos temas entraram em cena. E foram influenciar até os próprios super-heróis.

Pedro Cirne é formado em jornalismo, desenhos e histórias em quadrinhos. É autor do romanceVenha me ver enquanto estou vivae da graphic novel Púrpura, ilustrada por 17 artistas dos 8 países que falam português.