João Ramirez

O paradoxo da TV

Grupo Globo teria registrado caixinha IP na Anatel e, caso confirmado, isso muda o jogo da distribuição de TV no Brasil


22/07/2021 12h35

Os últimos anos foram difíceis para a TV.

Na TV aberta, a soma das TVs ligadas perde aproximadamente 2 pontos de média ano a ano.

Na TV paga, o cenário é desolador. São mais de 200 mil cancelamentos por mês. Caso não aconteça uma mudança brusca de direção, a TV paga pode ser extinta em menos de 7 anos.

Cada vez mais gente assistindo vídeo e cada vez menos gente assistindo TV.

O paradoxo tem várias razões.

Os jovens, que nasceram entre os anos 80 e 90, não sabem o que é uma TV linear. Já nasceram com o celular na mão, assistem Netflix para vídeos longos, TikTok para vídeos curtos e acompanham seus streamers favoritos na Twitch.

A meia idade, os migrantes digitais, acompanham suas séries favoritas e filmes no VOD, com Netflix, Amazon Prime ou Globoplay, assistem ao futebol onde estiver passando, já que os direitos agora estão distribuídos em várias plataformas, e tentam entender os memes no Instagram ou as dancinhas no TikTok.

Para a TV linear, sobram os mais velhos, nascidos antes da década de 50, que ouviam rádio, nasceram junto com a TV e tem mais facilidade de lidar com apenas um controle remoto.

O quadro acima é uma generalização, é claro.
Tem jovem que gosta de novela, tiozão fazendo vídeos no TikTok e idosos mais antenados que minha filha de 12 anos.
Mas, o ponto aqui é outro.

Se o cenário continuar como está, a TV linear tradicional (aquela onde o Boni escolhe a programação e o conteúdo chega por uma antena no telhado) vai agonizar até morrer.

Só que exatamente como acontece nos bons roteiros, a narrativa após a curva dramática pode conter surpresas.

Estudos recentes mostram que tem cada vez mais gente assistindo plataformas abertas de streaming, financiadas por publicidade.
Sim!
O modelo da TV aberta pode acabar sobrevivendo através do streaming grátis, com o conteúdo sendo financiado pelos anunciantes, exatamente como é hoje na TV linear.

E o Brasil tem mais de 33 milhões de caixinhas IP piratas em operação, segundo estimativas.
É quase o dobro do mercado de TV paga.
Isto significa que a queda das assinaturas da TV paga não é apenas por falta de interesse no conteúdo produzido, as pessoas querem o conteúdo que está ali, só não querem pagar por ele.

E aí surge a notícia, em sites especializados, do registro de uma caixinha IP do Grupo Globo.

Só pra lembrar quem é a Globo: a maior rede de TV aberta do país, a maior detentora de canais de TV paga, a maior co-produtora de filmes nacionais, a dona do maior reality-show, a maior produtora de novelas da américa latina, o maior faturamento publicitário em tv aberta e fechada, etc, etc. etc.

Plim! Plim!

O flerte com a distribuição do próprio conteúdo não é novo na história da Globo. No nascimento da TV paga no Brasil, o Grupo Globo foi sócio da Net/Globocabo, depois vendido para a Telmex, dona da Claro.

Se a Globo distribuir mesmo uma caixinha onde ela controla o conteúdo que vem dentro, e ela tem conteúdo suficiente em todo seu ecossistema para preencher milhares de horas de conteúdo, ela torna-se uma concorrente da TV paga e do streaming, já que a caixinha IP é plugada diretamente na TV e "pula" a dispersão de browsers de Internet no computador e no celular.
Com a atual tecnologia de criação de playlists, se a Globo quiser e o telespectador assim desejar, é bastante razoável imaginar um futuro com canais lineares temáticos como o Globo Novelas Anos 90, Globo Jogos Clássicos, Globo Sai de Baixo, etc.
Conteúdo não falta.

Se confirmada a aposta, é um duplo twist carpado que pode afetar toda a lógica do consumo e distribuição de mídia no Brasil.

Por hora, a Globo não confirma a informação.

Aguardemos cenas dos próximos capítulos.

João Ramirez
é estrategista digital e especialista em livestreaming. Fez a 1ª transmissão ao vivo da história da Internet brasileira, em 1996, e está no Guinness Book of Records. Dirigiu milhares de programas ao vivo nos últimos 20 anos. Participou de projetos ativistas e de engajamento de pessoas pelas redes sociais. É um estudioso e entusiasta do futuro da TV.


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