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Google.com/doodles Homenagem do Google aos 30 aos da Web - 12 de março de 2019

Capa da Folha de S.Paulo cravou, na última quarta-feira (24), que metade das grandes cidades já retomou ritmo de trabalho. Outra notícia do mesmo dia conta de que a filha da deputada federal Flordelis andou procurando por um assassino profissional. Em comum, as duas informações têm a fonte primária: o Google. Os dois exemplos nacionais desta semana não são únicos nem pioneiros no uso desse banco de dados em investigações alheias aos serviços originais da empresa norte-americana.

Em 2009, o Centro de Controle de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês) recorreu ao mesmo expediente para mapear o avanço naquele país da então novidade H1N1, vírus que chegava com potencial de crise grave. Segundo vários trabalhos científicos da época, o compartilhamento das localidades de onde partiram buscas no Google por expressões tais como “remédio para tosse e febre” foi determinante para a contenção da doença, há mais de uma década.

Ao todo, o algoritmo utilizado identificou 45 combinações de pesquisas na rede que indicavam com muita acurácia por onde passava a H1N1 e ajudou as equipes sanitárias a agirem rapidamente no controle da pandemia. A experiência foi registrada pelo pesquisador Viktor Mayer-Schönberger e pelo jornalista Kenneth Cukier no livro “Big Data - Como extrair volume, variedade, velocidade e valor da avalanche de informação cotidiana” (Elsevier, 2013).

O caso do vírus, nos EUA, é semelhante ao da volta ao trabalho noticiada pela Folha, pois ambos levaram em consideração dados de localização das pessoas conectados aos serviços do Google. São, portanto, informações cruzadas de fontes complementares mantidos pela empresa: buscas, mapas e geolocalização. Ao saber por onde circulam seus usuários – praticamente todos os brasileiros que navegam na internet -, Google é capaz de concluir se estavam em casa, retornando ao trabalho ou em outra atividade qualquer. Um tanto assustador, não?!

A abordagem a partir de um conjunto enorme de dados é um tipo de investigação mais ágil, barata, abrangente e segura do que sair perguntando para as pessoas se estão voltando ou não ao trabalho, como ocorre em pesquisas tradicionais, de rua ou por telefone. Apesar dos modelos estatísticos de altíssima precisão das sondagens por amostragem, o resultado de observar o todo em vez de uma parte tende à exatidão. Sem falar na confiabilidade das respostas, pois mapas não mentem.

Outro ponto de similaridade entre as duas ações – H1N1 e volta ao local de trabalho – é a inutilidade em relação à identidade dos usuários. Quem leu a matéria da Folha deve ter notado o trecho em que consta que a informação foi obtida “com base em dados anônimos de localização dos usuários”. Como as duas análises buscavam traçar o comportamento de grupo, saber quem eram os indivíduos seria irrelevante, além de contrariar leis que protegem a privacidade das pessoas mundo afora, como a novíssima LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) brasileira.

Já no caso do crime cinematográfico que envolve a deputada Flordelis, os dados de pesquisa não foram divulgados pelo Google, mas estavam registrados no histórico de navegação do celular apreendido da filha da suspeita, segundo os investigadores. A expressão autoexplicativa “Assassino onde achar” foi encontrada na relação de buscas feitas pela moça naqueles dias próximos ao assassinato do pastor Anderson, seu padrasto. Uma indiscrição muito comum, pois poucos se dão conta de que buscas feitas na internet ficam arquivadas, e não só no histórico dos navegadores.

O caminho é um pouco árduo, mas o cidadão com paciência pode se surpreender com a quantidade de informações que o Google conserva sobre seus hábitos na rede. Ao entrar com usuário e senha em algum produto da empresa – Gmail, Chrome e Docs, por exemplo – basta clicar em sua foto ou avatar do canto superior direito da tela e, em seguida, acessar o item “gerenciar sua conta”. Na página seguinte, vale acessar a guia lateral “Dados e personalização” e conferir o que consta da sua identidade virtual, especialmente no item “Atividade na Web e de apps”. Nessa área, um clique em “Gerenciar atividade” vai revelar aquilo que o nobre usuário tem feito pelos sites e aplicativos da rede.

Por ser utilizado por quase todo mundo com acesso a internet, o gigante de buscas sabe muito sobre o que muita gente faz ou pensa. Ao que tudo indica, tais dados estão ali para aprimorar a oferta de vários serviços, como sugestões de restaurantes próximos, notícias alinhadas com o perfil do leitor, comércio de produtos de interesse do consumidor etc. De quebra, ainda podem gerar informações de utilidade pública nas áreas da saúde, do trabalho e da segurança, como vimos.

Mas o acúmulo de volumes inusitadamente grandes de dados na rede não é produzido apenas por Google ou redes sociais famosas. Neste exato momento, há milhares de serviços legítimos tratando, arquivando e analisando hábitos de seus clientes com o objetivo de melhorar a experiência de uso. Tudo isso com o devido conhecimento e consentimento do usuário, espera-se.

Em um exercício de futurologia do bem, dá para vislumbrar uma inversão de prioridades: bancos de dados utilizados para aprimorar o convívio cívico e social e que, de quebra, ainda possam melhorar a experiência de consumidores. Seria algo como uma “contracibercultura” de apropriação cidadã do big data. Sempre achei que internet tem muito do comportamento hippie na sua essência.

Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018) e pesquisador associado ao ESPM MediaLab.