Há dez dias se repercute nos bastidores da comunicação uma lista, encomendada pelo governo federal, com 77 jornalistas e outros profissionais considerados formadores de opinião. O tal “mapa dos influenciadores” dividiu comunicadores brasileiros em três grupos: detratores, neutros e favoráveis ao governo. A relação dos contrários é a maior e foi a que mais gerou posts e memes nas redes sociais, mas é a de favoráveis que deveria alarmar os defensores da democracia.
"Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados". A frase definitiva de Millôr Fernandes (1923 – 2012) resume o propósito cívico do jornalismo: vigiar o poder público e jogar farol alto sobre sua atuação. Assim, não deveria surpreender ninguém que qualquer governo enxergue comunicadores livres como supostos “difamadores”. Mas causa espanto não haver a mesma energia para questionar a razão de ainda existirem jornalistas favoráveis a qualquer governo.
Revelada com exclusividade pelo colunista do UOL Rubens Valente, a lista por si só já é uma afronta ao estado democrático. Ninguém há de ter um exemplo sequer de sociedade livre que aceite que seus jornalistas sejam carimbados, etiquetados por quem eventualmente está na liderança da nação.
Apesar do viés autoritário da iniciativa ser preocupante, o material é risível, especialmente por ter custado milhões de reais para redundar em uma planilha com nomes de pessoas que falam mal ou bem das autoridades. Qualquer jovem hacker chegaria a muito mais que isso só monitorando as redes sociais.
Mas o que menos importa nesse caso são os nomes da lista, pois é o ato pra lá de desonesto que deve ser combatido. Mesmo assim, não faltaram loas aos “detratores”, vistos como heróis por quem não gosta nem um pouco do atual governo. Muitos jornalistas e influenciadores digitais lamentaram sua ausência na relação, mesmo fazendo cobertura implacável do governo.
Do lado de quem apoia o poder federal, a lista serviu como senha para a intensificação de ataques de ódio contra os profissionais citados. Até aí, nada muito diferente do dia a dia do jornalista que tem feito seu trabalho direito nos últimos dois anos. Autoridade pública que não lida bem com oposição, em geral, está com nome sujo na praça.
Mas passou praticamente batido o fato de haver profissionais de comunicação famosos que utilizam seu prestígio para afagar o governo. O cidadão desavisado vai entender como jornalismo o elogio de algum formador de opinião na TV, mas, mal sabe, é só papo de comadres.
A rigor, o poder não precisa de apoio de influenciadores para tocar seu mandato, pois já controla as ações públicas com a legitimidade do voto popular. O que se espera de quem tem prestígio entre a população é que fiscalize e não deixe a força da máquina se desviar de suas atribuições sem a devida publicidade.
Em referência a placas de carros oficiais de fundo branco surgiu a expressão “jornalismo chapa-branca”, ainda na ditadura militar - que vigorou no Brasil de 1964 a 1985. Chamavam-se desta forma empresas e profissionais que só publicavam a versão oficial dos acontecimentos, sem nenhum contraditório ou investigação adicional.
Na era digital, em que não há ditadura nem exclusividade de placas brancas para autoridades, deveria gerar indignação coletiva que ainda haja representantes dessa espécie rastejando pelas redes.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação e da cibercultura. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018).
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