A curva de aprendizado sobre o uso de tecnologias na comunicação pessoal é especialmente sensível para usuários mais velhos. Nos últimos dias, ouvi relatos semelhantes e aflitos de amigos sobre conversas com pais e parentes na faixa etária a partir dos 65 anos. Idosos estariam convencidos de que a vacina contra a Covid-19 é fatal ou deixaria sequelas irreversíveis nos mais velhos, segundo um boato que circula por aplicativo.
Com baixo discernimento sobre os perigos da interação virtual, esse público fica suscetível a todo tipo de golpe e de informações falsas, sobretudo via WhatsApp. Por ser uma rede de comunicação privada, o popular “zap zap” permite que mensagens enganosas circulem nos celulares sem que ninguém à volta possa interceptar a tempo de impedir que a mentira se espalhe e provoque danos na compreensão do tema.
Ouvir da mãe no grupo de risco que ela não tomará a vacina de jeito nenhum aflige qualquer filho zeloso. Desfazer essa situação demanda paciência, resiliência e muita pesquisa para encontrar conteúdo simples e curto que conte a verdadeira história da imunização contra a pandemia de coronavírus. Mas vale a pena, pois a ação pode salvar vidas inestimáveis.
Diferentemente das gerações com mais familiaridade com internet, o grupo de internautas idosos não domina a arte da busca avançada para conferir se algo que recebeu trata-se de fake news. Se receberam de um parente, fica subentendido que é sério e pode ser passado adiante. Quem recebe também confia em quem repassou e assim se forma o ciclo da desinformação.
Aqui em casa estabelecemos a prática de enviar vídeos explicativos de fontes que conhecemos para cada sinalização de contágio por boataria. Quando a mentira está em uma rede social aberta, como o Facebook, então comentamos a postagem com um vídeo ou texto de algum médico para alertar a todos que por ali passarem. Também tem funcionado enviar desmentidos produzidos por fontes confiáveis.
A lógica é bem simples: se é na relação de confiança entre parentes e amigos que a desinformação circula, podemos formar uma conexão de confiança também para estancar o fluxo de mentiras. Em vez de brigas e nervosismo, informação fundamentada de filho para pais, de primos para tios, entre vizinhos e colegas.
É um processo lento, mas tem sido muito mais efetivo do que despejar nos queridos broncas, acusações ou qualquer outro xingamento que não objetive mitigar o problema real. Ao contrário, ações de enfrentamento reforçam as incertezas a que todos estamos expostos, mas que apavora os mais vulneráveis.
Embora os boatos envolvendo a covid-19 sejam os mais preocupantes por razões óbvias, há outros crimes virtuais em curso. Segundo o Google Trends – ferramenta que mede o volume de busca por determinado assunto na rede – as pesquisas por “golpe do WhasApp” cresceram 143% nos últimos 15 dias.
O interesse dos brasileiros pelo tema, provavelmente, está relacionado ao perfil falso, um novo método utilizado para enganar usuários do aplicativo, especialmente mães, pais, tias, tios, avós, avôs e demais seres humanos de coração bem quentinho.
Funciona assim: os bandidos conseguem informações dos contatos do usuário e criam um perfil com a mesma foto, descrição e tudo o mais, só o telefone é outro. Daí a vovó recebe um pedido de ajuda financeira da neta e trata de fazer o depósito, sem se dar conta de que alimentou a conta bancária da malandragem. Mas quem é que vai conferir o celular da neta no WhatsApp, meu povo?!
Gente muito esclarecida tem caído nessa fraude, que tem raiz na venda criminosa de dados de usuários. E não são dados como senhas ou números de cartões. Envolvem informações aparentemente inocentes, como lista de contatos, por exemplo, mas suficientes para montar a farsa.
Assim como o golpe do clone do aplicativo - em que o proprietário da conta é instado a digitar um código enviado por mensagem de texto para validar uma transação qualquer, mas, na verdade, está transferindo para os delinquentes o controle de seu WhatsApp - , o perfil falso trabalha com a boa fé da vítima, qualidade recorrente entre os mais indefesos.
Seja por causa das mentiras sobre doenças e vacinas ou pelos golpes financeiros, é muito importante investir meia-hora da visita natalina aos entes queridos com mais idade para explicar o básico da comunicação na rede. Que fique claro que compartilhamento não é garantia de veracidade e que um interlocutor nem sempre é quem a foto, o nome e a descrição dizem que ele é.
Ricardo Fotios é jornalista, professor universitário e pesquisador de temáticas relacionadas ao uso de tecnologias no ecossistema da comunicação e da cibercultura. É autor de Reportagem Orientada pelo Clique (Appris, 2018) e pesquisador associado ao ESPM MediaLab.
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