Polêmica reforma do Judiciário proposta pelo governo tem levado milhares às ruas contra o projeto. Críticos denunciam ameaça à democracia. Governo argumenta que Suprema Corte exerce demasiada influência política.Israel foi palco neste sábado (18/03), pelo décimo primeiro fim de semana seguido, de protestos contra a polêmica reforma judicial proposta pelo governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Além de Tel Aviv, os atos reuniram mais de 260 mil pessoas em mais de 100 cidades, incluindo Haifa e Jerusalém, informou a mídia local.
Os manifestantes dizem que democracia israelense está em jogo e acusam a coalizão de governo formanda por conservadores, fundamentalistas religiosos e ultranacionalistas de colocar em risco a autonomia do poder judiciário.
Os críticos temem que a reforma mine a democracia e a independência da justiça, sendo uma ameaça à separação democrática dos três poderes. O governo argumenta que a Suprema Corteatualmente exerce muita influência política.
O Parlamento de Israel (Knesset) já aprovou a proposta em uma primeira votação, na semana passada, por 61 votos a favor e 52 contra – são necessárias mais duas votações para que o projeto vire lei.
O que diz a reforma
A controversa reforma, se aprovada, restringirá severamente os poderes da Suprema Corte.
O texto prevê, entre outras coisas, que o Parlamento possa anular as decisões da Suprema Corte por maioria simples – ou seja, 61 parlamentares – e, assim, abolir quase completamente seu poder de revisar legalmente as leis.
Hoje, se a Suprema Corte rejeita uma lei porque ela fere as Leis Básicas, o equivalente a uma Constituição em Israel, a lei cai, e o Knesset nada pode fazer. Com a mudança proposta pelo governo, o Knesset poderá, com maioria de 50% mais um, simplesmente ignorar a posição da Suprema Corte e seguir adiante com a nova legislação.
Além disso, se aprovada, os políticos terão mais influência na nomeação dos juízes. Isso daria à atual coalizão no poder – que inclui ultranacionalistas e ultraortodoxos – uma maioria automática na comissão responsável pelas indicações, incluindo à Suprema Corte.
A medida também dificultará que o principal tribunal do país anule leis que considere contrárias às Leis Básicas. Se o Knesset poderá vir a descartar decisões da Suprema Corte com maioria simples, a Suprema Corte, por sua vez, só poderá barrar uma decisão do Knesset com o voto de 80% dos juízes, ou seja, 12 dos 15 juízes.
Além disso, o parlamento aprovou em votação preliminar um projeto de lei que impede um líder ocupando o cargo de primeiro-ministro de ser declarado incapaz de exercer o poder, a menos que seja por incapacidade física ou mental.
A coalizão de governo apresentou o projeto em janeiro e quer aprovar os elementos-chave da controversa reforma de forma acelerada, até o final de março.
O que dizem os críticos
Os contrários à reforma veem a separação de poderes como um pilar da democracia que está em perigo e alertam para uma perigosa crise de Estado.
Críticos afirmam que, se aprovada, a reforma deixará Netanyahu no comando dos três poderes – já que, de acordo com o sistema político de Israel, o primeiro-ministro (Executivo) deve ter o apoio da maioria do Parlamento (Legislativo) para governar. Atualmente, Netanyahu conta com uma base de 64 parlamentares de um total de 120.
Para os críticos, a reforma também dará ao governo poder descontrolado, anulará a independência judicial de Israel e deixará as minorias desprotegidas.
"Não temos uma Constituição no Estado de Israel, e também não temos uma Declaração de Direitos Humanos, não temos duas casas no parlamento, nem sequer temos limites de mandato para primeiros-ministros", explica à DW Efrat Rayten, membro do Parlamento pelo Partido Trabalhista. "As leis trazidas [ao Knesset] cancelam a capacidade da Suprema Corte de supervisionar o Knesset e as ações do governo".
Além das manifestações nos fins de semana, protestos menores ocorrem quase diariamente em diferentes cidades e têm sido fundidos com frequentes "dias de perturbação", quando manifestantes bloqueiam os principais cruzamentos e estradas durante a hora do rush.
Em uma tentativa de diminuir a profunda polarização do país e evitar o que chamou de uma "guerra civil", o presidente israelense, Isaac Herzog, apresentou uma proposta de reforma alternativa e menos radical. Líderes da oposição apoiaram o plano, e até mesmo algumas vozes da direita lhe deram crédito. No entanto, ele foi prontamente rechaçado por Netanyahu.
Na quinta-feira, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, expressou preocupação com o projeto em uma coletiva de imprensa com Netanyahu em Berlim.
O secretário de Estado americano, Antony Blinken, também pediu que o governo israelense tente chegar a um consenso.
O que defendem os apoiadores da reforma
Por outro lado, o partido Likud, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, acusa a Suprema Corte de ser dominada por juízes de esquerda que, por razões políticas, se intrometem em áreas fora de sua jurisdição. E motivos pessoais também podem desempenhar um papel: o próprio Netanyahu está sendo julgado por acusações de corrupção.
Por muitos anos, os direitistas religiosos atacaram a Suprema Corte por ser muito "esquerdista" e muito poderosa.
Simcha Rothman, membro do Knesset pelo Partido Sionista Religioso de extrema-direita, é considerado um dos arquitetos da reforma do governo. "Basicamente, temos um tribunal que é desequilibrado e descontrolado, ao contrário das outras entidades do governo, que são controladas e equilibradas", afirma. "Portanto, precisamos introduzir freios e contrapesos no sistema [judicial] israelense", defende.
Quem está envolvido nos protestos
De juízes a trabalhadores da área de tecnologia, passando por ativistas, estudantes, empresários e até o chefe do banco central, os protestos mobilizaram diversos segmentos da sociedade.
No entanto, o fato de oficiais da reserva terem se juntado às manifestações é uma prova do quão profundamente a reforma judicial está dividindo o país.
Em um movimento sem precedentes, pilotos de caça reservistas do esquadrão de elite do país ameaçaram abster-se de se apresentar ao treinamento de reserva em protesto contra a reforma. Em Israel, recusar o serviço militar é considerado um tabu.
Para muitos israelenses, o exército simboliza uma fortaleza de segurança que deve ficar fora da política.
"É um grupo muito especial aqui esta noite; somos reservistas que serviram em guerras passadas, desde a Guerra dos Seis Dias [1967], até o Yom Kipur, e o Líbano", disse à DW Rami Matan, oficial aposentado do Exército, ao participar de um protesto em Jurusalém no começo do mês.
"Defendemos, lutamos e estávamos dispostos a morrer por este país. Agora estamos aqui para salvá-la [Israel] – não como no passado de um inimigo estrangeiro, mas hoje o defendemos de se tornar uma ditadura", destacou.
Atos violentos
À medida que os protestos se estendem por semanas – chegando a reunir 500 mil pessoas em um único dia – têm se tornado mais violentos, sobretudo pela atuação de defensores do governo.
Neste sábado, a polícia, que relatou uma série de detidos, tentou conter as agressões de um grupo de homens mascarados, ativistas de grupos extremistas de direita.
Um deles disparou foguetes contra manifestantes na cidade de Kiryat Ono, no centro de Israel. Outro agrediu fisicamente um manifestante enquanto ele dirigia seu carro, causando ferimentos leves, de acordo com as autoridades.
Além disso, partidários do Likud jogaram ovos em manifestantes na cidade de Or Akiva, e um homem invadiu um protesto com sua motocicleta em Tel Aviv.
O líder da oposição, Jahir Lapid, condenou a violência depois de participar dos protestos e pediu a Netanyahu que "condene fortemente" os eventos.
le (ots)
REDES SOCIAIS