Embora existam documentos que mencionam a realização de uma feira de livros na cidade alemã de Frankfurt no ano de 1462, a versão moderna da Feira do Livro de Frankfurt foi realizada pela primeira vez em 1949.
Ao longo de seus 75 anos de história, uma das maiores conquistas do evento foi a construção de pontes por meio da "diplomacia do livro”. Mas esses esforços também geraram polêmica ao longo dos anos.
"A ilusão de um mundo unificado”
Em meio à Guerra Fria, diferentes países do Bloco Oriental - União Soviética, Polônia, Hungria e as antigas Tchecoslováquia e Iugoslávia - participaram da Feira do Livro de Frankfurt pela primeira vez em 1955.
Naquele mesmo ano, a Alemanha Oriental também ofereceu sua primeira contribuição em um estande coletivo chamado "Livros do Comércio Interior da Alemanha”.
Conforme descrito pelo jornal Frankfurter Rundschau em 1957, a feira do livro era, na época, o único evento de negócios do mundo que permitia que "a ilusão de um mundo unificado” fosse temporariamente revivida em meio à contínua rivalidade política que opunha o Ocidente e o Oriente na Alemanha: "Na feira do livro em Frankfurt, não há terra de ninguém entre os oponentes; eles saíram das trincheiras, apertando a mão um do outro sem forçar um sorriso de diplomata”.
A Cortina de Ferro, no entanto, ofuscou a feira até a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989. Um mês antes, o autor tcheco dissidente Vaclav Havel, morto em 2011, ganhou o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão, mas não foi autorizado a deixar a então Tchecoslováquia.
A maré mudou drasticamente alguns meses depois; no final daquele mesmo ano, Havel se tornou o presidente do país.
Conflitos com a extrema direita
Também houve atritos no cenário editorial da Alemanha.
Nos primeiros anos da feira, pós-segunda Guerra, figuras conhecidas do comércio de livros exigiram que as editoras neonazistas fossem banidas do evento. Mas os organizadores decidiram que, desde que as editoras não infringissem a lei alemã, elas não seriam barradas.
Embora essa seja uma questão polêmica até hoje, a posição da feira do livro não mudou, com o objetivo de evitar a censura e promover a liberdade de expressão.
Isso, no entanto, levou a muitos protestos contra editoras de direita ao longo dos últimos 75 anos da feira do livro.
Em 1955, por exemplo, diferentes expositores se uniram para expulsar um editor neonazista, porém agindo de forma relativamente discreta, "ao meio-dia, quando as coisas estavam mais calmas”, afirma o site da Feira do Livro de Frankfurt.
Outros protestos não foram tão silenciosos.
A polícia teve que intervir em 2017 quando manifestantes interromperam uma leitura de Björn Höcke, líder da Alternativa para a Alemanha (AfD) que já foi condenado por usar slogans nazistas.
O político, que legalmente pode ser descrito como "fascista” de acordo com um tribunal alemão, voltou à Feira do Livro de Frankfurt para outra leitura - sob proteção policial - no ano seguinte.
Em 2023, a Feira adiou por tempo indeterminado a entrega do prêmio LiBeratur 2023 à autora palestina Adania Shibli, o que despertou repúdio no meio literário. A justificativa dada para o adiamento foi o conflito desencadeado em 7 de outubro por ataques do grupo radical islâmico palestino Hamas contra Israel. O livro de Shibli narra assassinato de menina palestina em 1949 por soldados israelenses.
Uma plataforma para causas internacionais
A Feira do Livro de Frankfurt também começou a servir de palco para manifestações relacionadas a questões internacionais em 1966, quando exilados croatas protestaram contra expositores iugoslavos.
Um ano depois, as editoras gregas foram confrontadas com estudantes e livreiros que protestavam contra a ditadura militar na Grécia, que chegou ao poder em abril de 1967.
Em 1968 - um ano marcado por protestos estudantis em massa na Alemanha Ocidental e em todo o mundo - a feira de Frankfurt entrou para a história como a "Feira da Polícia”.
Naquele ano, o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão foi concedido ao primeiro presidente do Senegal, Leopold Sedar Senghor, também conhecido como poeta e teórico cultural. Os manifestantes em Frankfurt denunciaram o governo cada vez mais autoritário de Senghor - manifestações de estudantes senegaleses haviam sido violentamente esmagadas no início daquele ano.
Em 1971, os protestos durante a feira do livro se concentraram no Irã, pois tentativas de derrubar o Xá no país foram recebidas com uma violência sem precedentes. Quase 20 anos depois, em 1989, o Irã foi desconvidado após o ex-líder supremo do Irã Ruhollah Khomeini pedir o assassinato do escritor indiano-britânico Salman Rushdie.
O romancista nascido na Índia inicialmente apoiou a Revolução Islâmica do Irã de 1979. Porém, 10 anos depois, o autor tornou-se o alvo mais proeminente de Ruhollah Khomeini. O líder fundamentalista ordenou a morte de Rushdie por causa de seu romance "Versos Satânicos”, que é parcialmente inspirado na vida do profeta islâmico Maomé.
O pedido de assassinato levou os organizadores da feira do livro a excluírem a participação do Irã por muitos anos, inclusive em 1998, quando Rushdie fez uma aparição surpresa na cerimônia de abertura, com medidas de segurança rigorosas.
O Irã também boicotou a Feira do Livro de Frankfurt em diferentes ocasiões, inclusive em 2015, quando Rushdie foi novamente convidado a fazer o discurso de abertura. Em 2023, Rushdie ganhou o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão depois de sobreviver a um atentado a faca no ano anterior.
Países polêmicos "convidados de honra”
Inspirado pelo sucesso do foco da Feira do Livro de Frankfurt nos livros indianos em 1986, o conceito de país Convidado de Honra foi oficialmente introduzido dois anos depois, começando com a Itália - que também retorna ao papel de destaque este ano.
A Turquia foi Convidada de Honra em 2008, promovendo a diversidade de sua literatura sob o slogan "fascinantemente colorida”.
Autores como Asli Erdogan, Elif Shafak e Sebnem Isiguzel se destacaram como novas vozes fortes do país.
Mas no discurso de abertura do evento, Orhan Pamuk, o escritor turco mais vendido e ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 2006, criticou a falta de liberdade de expressão em seu país natal. Pamuk já havia testado os limites da liberdade de expressão na Turquia ao fazer declarações sobre o genocídio armênio e os assassinatos em massa de curdos, o que levou a processos judiciais contra ele e à queima de seus livros.
Já participação da China como convidada de honra em 2009 provocou uma polêmica ainda maior.
Algumas semanas antes do evento, autores chineses dissidentes que participariam de um simpósio ligado à feira do livro foram desconvidados pelos organizadores, sob pressão da China. Os autores participaram mesmo com o veto, o que levou muitos delegados chineses a abandonar o simpósio.
Mais tarde, quando a então chanceler federal alemã Angela Merkel abriu a feira, acompanhada do presidente chinês, Xi Jinping, ela abordou a disputa em seu discurso, ressaltando que, ao aceitar subir ao palco de Frankfurt, a China estava totalmente ciente de que "vozes críticas seriam e deveriam ser ouvidas”.
No mesmo discurso de abertura, ela se referiu à censura que sofreu em sua juventude na Alemanha Oriental comunista, destacando o poder democrático dos livros: "Esse é um dos principais motivos pelos quais os livros são censurados ou até mesmo queimados nas ditaduras. Os livros têm um grande potencial de liberdade”.
A Feira do Livro de Frankfurt será realizada de 16 a 20 de outubro de 2024.
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