Bolsonaristas esperam que vitória de Trump pressione STF


Vinicius Pereira

07/11/2024 13h42

Presidente eleito é alinhado com políticos que defenderam sanções contra o Brasil durante o embate entre Elon Musk e o ministro Alexandre Moraes. Bilionário aliado de Trump também pode vir a ocupar cargo no novo governo.A vitória de Donald Trump nos EUA foi celebrada pelos bolsonaristas no Brasil, que veem a volta do republicano à Casa Branca como um possível catalisador para recuperar influência e provocar pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF).

Trump também é aliado de Elon Musk, figura central de embates recentes com o ministro Alexandre de Moraes, que no final de agosto havia determinado o bloqueio da plataforma X, que é controlada pelo bilionário de ultradireita. O republicano já especulou que considera nomear Musk como uma espécie de secretário (cargo equivalente a ministro) no seu gabinete. Musk também foi o quarto maior doador da campanha de Trump.

Filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, disse que a vitória de Trump deve colocar "uma espécie de freio” em Moraes. "Vai ser colocado uma espécie de freio. Você acha que o Alexandre de Moraes vai comprar briga com o ministro Elon Musk?!”, disse o parlamentar ao jornal Metrópoles.

Nas redes sociais, bolsonaristas especularam que os efeitos podem ir além e também incluir sanções ao Brasil para pressionar o STF.

Tais especulações já ocorreram antem, e envolveram políticos do partido de Trump, que defenderam publicamente punições contra o Brasil em meio aos embates entre o STF e Musk, que, além da suspensão da rede X, também incluíram o bloqueio de valores de outra empresa do bilionário, a Starlink.

À época da suspensão da rede social X, de Musk, no Brasil, o senador pelo Estado de Utah, Mike Lee, afirmou que o Brasil havia agido de forma desproporcional contra uma empresa sediada nos EUA.

Lee, que é um dos cotados para ser o novo procurador-geral dos EUA segundo a imprensa americana, também havia feito uma analogia histórica com a proteção fornecida pelo antigo Império Romano aos seus cidadãos, dando a entender que os EUA precisavam fazer o mesmo. "No auge do Império Romano, ninguém ousava mexer com um cidadão romano, em qualquer lugar do mundo, porque Roma cuidava dos seus, trazendo justiça a qualquer um que tivesse sido injustiçado no exterior”, escreveu o republicano em uma publicação no X.

"Não podemos ignorar isso”, disse. O senador também pediu que seus seguidores compartilhassem outro post, se concordassem que "o Brasil deve enfrentar consequências por apreender ativos americanos”.

Além das implicações no caso X, no início deste ano, o senador americano republicano Ted Cruz defendeu a aplicação de sanções ao Brasil, após o governo autorizar a entrada de dois navios do Irã no Rio de Janeiro.

Instrumento de pressão

De acordo com Alexandre Uehara, coordenador acadêmico do Centro Brasileiro de Estudos de Negócios Internacionais da ESPM, as sanções podem ser utilizadas como barreiras, sejam tarifárias ou não, contra produtos e empresas brasileiras como instrumento de pressão.

"Há algumas formas de uma sanção ocorrer. A primeira são as barreiras tarifárias, com os EUA elevando impostos sobre produtos de uma empresa, setor ou país, como fazem com a China por consideraram a concorrência desleal. A segunda é a não tarifária, quando restringe o comércio, impactando negativamente a competitividade e o potencial de exportação de outro país, a modo de proteger o meio ambiente, por exemplo”, afirma.

Na prática, se a imposição fere regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) ou mesmo se mostra totalmente arbitrária e injustificada, o país prejudicado pela imposição pode recorrer ao órgão.

"O problema com a OMC é que o sistema de solução de disputas travou depois que os Estados Unidos, no primeiro governo Trump, deixou de aceitar a nomeação de novos membros do Corpo de Apelação”,diz José Augusto Fontoura Costa, professor e doutor em Direito Internacional pela USP.

"Em regra não é possível iniciar um procedimento jurídico contra as sanções aplicadas, a menos que ambos os estados concordem”, completa.

Portanto, segundo Costa, a principal restrição às sanções é a Carta da ONU, a qual restringe o uso da força à legítima defesa e obriga a busca de meios pacíficos de solução de controvérsias antes da aplicação das sanções. Na prática, contudo, mesmo na ONU não há resolução descomplicada.

Além disso, também existe a possibilidade de a punição abranger pessoas, como o ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, como citou Eduardo Bolsonaro. "É possível. Se um membro do STF, por exemplo, é colocado como inimigo, pode passar por um processo de sanção. Isso seria uma decisão política e, eventualmente, poderia ocorrer, mesmo sendo bastante drástica. Não é nem desejável, e está longe, mas a possibilidade existe”, afirma Uehara.

Exceto em razão da proteção de Direitos Humanos, indivíduos não têm acesso a tribunais internacionais, o que complica a possibilidade de reverter uma retaliação em um organismo multilateral por pessoas e não empresas. "Além disso, os EUA não são membros da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e, portanto, não se submetem à Corte”, diz Costa.

Impacto

Segundo Rodolfo Olivo, professor da FIA Business School e doutor pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, em caso de sanção econômica, o governo Trump poderia impor barreiras comerciais que impactam, inclusive, a inflação no Brasil.

"Trump poderia impor altas barreiras ou até uma proibição de importação do agronegócio brasileiro para os EUA, que é um dos setores centrais da economia brasileira, ou o aeroespacial, por exemplo, ao proibir a compra de equipamentos da Embraer”, diz.

"Eu não acredito nesse cenário, mas em um cenário hipotético, o país iria ver uma alta forte do dólar, dado um desequilíbrio na balança comercial, trazendo um repique inflacionário importante, além de questões de emprego nos setores afetados”, afirma.

A possibilidade, porém, não vem sendo realmente considerada pelos especialistas, dado que as sanções vêm sendo questionadas como instrumento de pressão, principalmente após a retaliação forçada à Rússia, após a invasão da Ucrânia, esbarrar em um aumento de preços na Europa.

"Existem muitos fatores que podem impactar e com economias muito interdependentes, um aumento de tarifa pode impactar setores sensíveis da economia e ser prejudicial para os próprios americanos. Como, por exemplo, a Alemanha que teve uma elevação de preços enorme, com os custos aumentando, após deixar de comprar gás da Rússia”, completa Uehara.

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