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O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, cobrou um maior ajuste fiscal, e atrelou os cortes a um menor nível dos juros.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) alertou neste mês que a dívida pública global deve ultrapassar US$ 100 trilhões este ano pela primeira vez, atingindo 93% do Produto Interno Bruto Global (PIB), e que o Brasil está entre os países em que o débito deve continuar aumentando.

A DW ouviu especialistas sobre o quão preocupante é o crescimento da dívida pública brasileira em meio a esse cenário de alta global, com reflexos que vão dos juros à inflação.

O FMI estima que a dívida pública do Brasil como proporção do PIB avance de 83,9%, no fim de 2022, para 94,7% em 2026, ao final do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Se esse cenário se materializar, representará uma piora de 10,8 pontos porcentuais para o indicador. O avanço da dívida é alvo de frequentes disputas no governo, especialmente com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que vem defendendo a necessidade de reduzir gastos para conter o débito.

O cenário amplia incertezas com relação à economia brasileira, além de elevar o chamado "risco país", aponta o professor de macroeconomia Ricardo Hammoud, do Ibmec-SP. Neste caso, "há mais dificuldade de financiar a sua dívida e seu déficit”. "Além disso, a dívida também fica mais cara", diz.

Maior dívida está ligada normalmente a um patamar mais elevado dos juros, algo a que o Banco Central já vem reagindo. Em setembro, a autoridade voltou a subir a taxa Selic, que chegou aos 10,75%, e analistas esperam novos aumentos nas próximas reuniões.

Nesta semana, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, cobrou um maior ajuste fiscal, e atrelou os cortes a um menor nível dos juros. "O Plano Real foi o primeiro plano que teve um ajuste fiscal antes. Quando a gente olha de lá para cá, todas as vezes em que o Brasil conseguiu diminuir os juros, foram acompanhadas de choques fiscais positivos", disse.

Por outro lado, Lula defende que o aumento da arrecadação e a queda dos juros permitirão a redução do déficit sem comprometer a capacidade de investimento. Além disso, neste ano, o presidente comparou a dívida brasileira com a de Estados Unidos, Itália e Japão, todas acima de 100%, afirmando que "este não é o problema" da economia.



Processo global?

As projeções do FMI e os analistas ouvidos concordam que o aumento da dívida pública do Brasil atualmente faz parte de um processo global que envolve múltiplos fatores, inclusive estruturais, como o aumento dos gastos com a previdência diante do envelhecimento da população.

Entre outros países destacados pelo organismo com avanço de dívidas preocupantes, estão Estados Unidos, França e Itália. Por sua vez, os especialistas apontam fatores que limitam o nível dos débitos brasileiros sem que haja maiores riscos para a economia.

"Países de renda alta podem dar-se ao luxo de contraírem dívidas como proporção do PIB bem mais altas que nos emergentes, já que há quem compre dívidas públicas mais altas dos mais ricos", explica Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South e ex-vice-presidente do Banco Mundial.

"A comparação do Brasil com países como Japão e Estados Unidos é incabível, são países que financiam suas dívidas de forma muito mais barata", afirma Hammoud, lembrando que os bancos centrais de ambos chegaram a manter suas taxas de juros próximas de zero em alguns períodos. "Além disso, a confiança nestes países é muito maior. Mesmo com a dívida mais alta, continuam sendo financiados", aponta.

"Os Estados Unidos têm o dólar, e os europeus têm o euro, que são muito procurados como moedas de reserva, o que o Brasil não tem", afirma. Segundo o especialista, a comparação adequada deve ser feita com outras economias emergentes, como Peru, México e Colômbia, que têm características mais similares.

"É notável que entre os emergentes a dívida brasileira já é alta, e a preocupação é o ritmo em que isso está acontecendo", aponta Canuto.



Espaço para mais arrecadação?

Há ceticismo sobre capacidade do governo de aumentar a arrecadação, algo que tende a ser impopular por normalmente ocorrer por meio do aumento de impostos.

Hammoud indica que ainda que a proporção que o aumento dos gastos tomou nos últimos dois anos foi muito maior do que o da arrecadação. Ele lembra que o avanço se deu especialmente entre as despesas para manter a máquina do governo funcionando, os chamados gastos primários.

Na visão de Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o chamado arcabouço fiscal proposto pelo governo não vem sendo suficiente para garantir a confiança nas contas públicas do país, já que o projeto dependia muito de aumento na arrecadação, sem um ajuste na estrutura de gastos.

Além disso, ele lembra que a administração não conseguiu que novos recursos fossem aprovados no Congresso, e que "é difícil imaginar" que logre isso após dois anos de mandato, em um momento em que a popularidade está mais desgastada que no começo da gestão.

A desconfiança com o equilíbrio das contas públicas brasileiras é uma das grandes razões por trás da desvalorização do real neste ano. Apesar de fatores externos que impulsionaram o dólar no exterior, analistas apontam que até 80% da perda de valor do ativo brasileiro atualmente está ligado a desdobramentos no país.

"Parte do câmbio atual está ligado ao lado fiscal, o dólar estaria mais baixo não fosse isso", aponta Vale. Um dos desdobramentos da moeda mais desvalorizada é uma maior inflação, que deve ficar acima da meta do Banco Central em 2024, segundo as estimativas do mercado financeiro.



"Trajetória explosiva da dívida"

A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, disse que a dívida crescente torna o quadro da economia mundial "mais preocupante". A dirigente afirmou que o espaço fiscal continua diminuindo, e as escolhas de gastos se tornaram "mais difíceis". "Escolas ou clima? Conectividade digital ou estradas e pontes?", sugeriu.

Na visão de Canuto, o FMI foi enfático na "trajetória explosiva da dívida". Entre as principais repercussões, ele acredita que há a chance de o cenário levar a uma elevação dos prêmios de risco pelo mundo, e juros mais altos, o que impactaria em taxas mais altas também no Brasil.

Entre os fatores que devem impulsionar uma alta de gastos nos próximos anos, ele destaca transição energética, corrida armamentista e políticas populistas. No último caso, Canuto lembra que as dúvidas econômicas nos Estados Unidos atualmente com relação às eleições presidenciais são sobre qual programa de governo trará maior aumento para dívida do país.

Outro fator é o aumento dos gastos com previdência, enquanto há redução da população economicamente ativa. Citando exemplos de países nórdicos a asiáticos, Canuto lembra que "as políticas que até agora tentaram reverter as taxas de natalidades têm falhado" ao redor do mundo.

Vale observa riscos semelhantes, e compara com o período de altas dívidas públicas que seguiu a Segunda Guerra Mundial, o que costuma ser citado por aqueles que não creem em grandes riscos de uma alta do nível da dívida. "O momento atual é diferente, naquela época era possível ter maior crescimento econômico", avalia.

Em sua visão, o que poderia amenizar o quadro é um aumento da produtividade, o que pode ser impulsionado por novos desdobramentos tecnológicos, como os oferecidos pela inteligência artificial.

A depender do vencedor do Nobel de Economia neste ano, há razões para ter cautela com os ganhos trazidos pelas novas ferramentas. Em um estudo publicado em maio, Damer Acemoglu estimou em modestos 0,53% os ganhos de produtividade gerais da economia ao final de dez anos advindos da aplicação da inteligência artificial em diversos setores.