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Plataforma da Petrobras ao fundo da Baía de Guanabara. Brasil é o oitavo maior produtor de petróleo bruto

Com um planeta em crise climática, incentivo e participação de fontes renováveis aumentam ao mesmo tempo que o país tenta ampliar a fronteira de exploração do combustível fóssil. Na tentativa de se tornar um líder global no combate às mudanças climáticas, uma incoerência salta aos olhos no plano brasileiro: o petróleo. Uma das maiores fontes de gases do efeito estufa e vilão do aquecimento global, o combustível fóssil é também uma aposta para o futuro no país.

Oitavo entre os maiores produtores de petróleo bruto, segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), o Brasil pode subir neste ranking se o planejamento da Petrobras se cumprir. À frente da empresa desde junho, Magda Chambriard quer explorar uma nova fronteira, a bacia marítima da Foz do Amazonas, ou Margem Equatorial, para a qual a empresa tenta obter licença há uma década.

Os investimentos previstos na empreitada chegam a 3 bilhões de dólares (R$ 17 bilhões). Caso a permissão seja dada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a extração mesmo só engrena na próxima década – justamente quando a IEA estima o declínio gradual do consumo por conta da transição para fontes mais limpas e eficientes.

"O país querer se tornar um ‘petroestado' em plena crise climática é, no mínimo, equivocado. Não só sob o ponto de vista ambiental, mas econômico também, fazendo essa grande aposta quando se está próximo da mudança da curva, quando o mercado vai começar a demandar menos", diz Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.

Em todo o mundo, o setor de energia responde por 73% das emissões de gases de efeito estufa. Isso inclui a queima de combustíveis fósseis no setor de transporte, indústria e geração de eletricidade, da gasolina que movimenta um carro às caldeiras de uma fábrica abastecida com gás.

"Até a última gota"

A caminho de Baku, capital do Azerbaijão e palco até o dia 22 de novembro da atual Conferência do Clima, a COP29, Roberto Ardenghy, presidente do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), defende que o Brasil explore o combustível fóssil até as reservas se extinguirem.

Em conversa com a DW, o ex-diplomata, admite que o petróleo é o "grande elefante branco" na sala de negociações. A edição anterior da conferência, em Dubai, tentou pela primeira vez limitar este incômodo: o texto colocou o prazo de 2050 para que o mundo zere as emissões dessa fonte de gases estufa.

"Você pode ignorá-lo, pode tentar dar a volta nele, dizer que ele não existe, mas ele está lá sentado olhando pra você. Não se pode falar em transição energética sem o petróleo, sem o processo de reuso do petróleo, de repotencialização", argumenta Ardenghy.

Em seu último relatório, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) aponta que a era dos combustíveis fósseis precisa acabar o quanto antes para evitar os piores impactos para seres humanos num planeta mais quente. O abandono do petróleo, carvão e gás precisa vir acompanhado de energia renovável e eficiência energética, mas o consenso científico aparece em segundo plano para setores da sociedade.

"Se o Brasil for competitivo, conseguir produzir um petróleo barato, acessível e que forneça a energia que as pessoas querem e também com uma pegada de baixa emissão de carbono, eu quero que o petróleo brasileiro substitua outros que emitem mais CO2", argumenta.

Araújo ainda reconhece a importância histórica da Petrobras e sua "expertise admirável", mas alerta que os tempos mudaram. "Agora ela tem que olhar para o futuro, e não para o passado, e se transformar numa grande empresa de energia em prol do mundo descarbonizado. Esse é o desafio".

Combustível do futuro

Em paralelo à corrida pelo petróleo na bacia marítima da Foz do Amazonas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou a lei apelidada de combustível do futuro. Ela cria programas de incentivo à produção e ao uso de combustíveis mais limpos, como o biodiesel e o biometano. A medida também aumenta o percentual de etanol na gasolina, que pode chegar a 35%.

O biodiesel é feito a partir de óleos vegetais, como soja, ou gorduras animais. Ele pode abastecer motores de caminhões, ônibus, tratores, carros e até máquinas industriais. Estima-se que, em comparação com o diesel, o biodiesel emita 98% menos dióxido de carbono.

A iniciativa é vista com bons olhos por especialistas em planejamento energético. Num país dependente de caminhões para transporte de cargas, o ideal é incentivar o biodiesel para abastecer a frota, afirma Ricardo Baitelo, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema).

"No transporte individual, o Brasil jamais deve abandonar o etanol. A gente vê o movimento de eletrificação, o que é bom, visto que a eletricidade aqui é gerada majoritariamente por fontes renováveis, e não por carvão, como acontece na maioria dos países", pontua.

O etanol à base de cana-de-açúcar é uma invenção brasileira desenvolvida em meados da década de 20. Desde 1931, é adicionado à gasolina – naquela época, um decreto obrigou importadores de petróleo a misturar 5% do álcool ao combustível fóssil. O biocombustível é considerado neutro em emissões de dióxido de carbono: a cana, durante seu crescimento, retira da atmosfera praticamente o volume de CO2 que, mais tarde, é liberado pelos motores dos carros na queima do combustível.

Hidrogênio verde em espera

O hidrogênio verde (H2V), ao que tudo indica, vai precisar de mais tempo para decolar. Ele teria diversos usos: combustível para veículos, aquecimento, energia para a indústria. Produzido a partir da eletrólise da água, ele é classificado como "verde" por não emitir gases estufa durante seu processo de produção, movido a energia limpa como solar e eólica.

"Ainda há um compasso de espera em torno do hidrogênio verde. E ainda há muitas questões em aberto como, por exemplo, se o hidrogênio verde produzido no Brasil vai ser exportado ou fica para o mercado interno", cita Baitelo.

O uso em grande escala de H2V tem potencial considerável para reduzir as emissões globais do setor de energia. Atualmente, o gás natural é a principal fonte empregada para produzir hidrogênio, respondendo por 75% da produção mundial, seguido pelo carvão.

Em 2023, as emissões brasileiras do setor de energia subiram 1,1% em relação ao ano anterior, apontam dados do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases (SEEG). O maior setor responsável pela alta foi o transporte, que registrou recorde de consumo de diesel de petróleo e gasolina automotiva.

Energia elétrica: bons ventos

O setor elétrico brasileiro está entre os mais limpos do mundo. Historicamente, ele gera menos emissões que países ricos por ter sido baseado em usinas hidrelétricas, considerada uma fonte limpa apesar dos impactos socioambientais. No ano passado, a participação de fontes renováveis na matriz elétrica nacional chegou a 89%. Um crescimento considerável da geração solar fotovoltaica e eólica foi registrado, de 68% e 17% respectivamente.

"Estamos agora discutindo o papel das baterias. Tem horas que a gente tem energia eólica e solar sobrando e ela acaba sendo desperdiçada por não termos ainda como armazená-la. Mas este é um problema mundial, não exclusivamente brasileiro", cita Baitello como um dos desafios a serem sanados.

Araújo comemora os avanços na área de energia elétrica. Mas ressalta que é preciso seguir com cuidado: "Todo esse esforço precisa seguir as salvaguardas socioambientais necessárias, e isso se aplica na questão das usinas solares e eólicas", aponta, mencionando casos de desrespeito a comunidades tradicionais no Nordeste.

Subsídio maior ao sujo do que ao limpo

A maior participação das fontes eólica e solar vieram junto com incentivos fiscais. Um levantamento recente do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) mostra que os subsídios às renováveis passaram de R$ 14,24 bilhões em 2022 para R$ 18,06 bilhões no ano passado, alta de 26,82%.

O número ainda é tímido quando se compara com os combustíveis fósseis. Em 2023, somaram R$ 81,74 bilhões, quase 82% do total. É como se, para cada real de subsídio a fontes renováveis de energia, R$ 4,52 subsidiam os fósseis, calcula o instituto.

"É preciso implementar uma política pública de transição energética com justiça social, que tenha como uma de suas fontes de financiamento os recursos públicos oriundos da renda petroleira. Assim, os custos deixariam de ser arcados pelos consumidores de energia elétrica, por intermédio dos encargos tarifários", recomenda o relatório do Inesc.