As explosões
Por volta de 19h30 de quarta-feira (13/11), uma explosão destruiu o porta-malas de um veículo estacionado no Anexo IV da Câmara dos Deputados, em Brasília. Vinte segundos depois, uma segunda explosão foi ouvida na Praça dos Três Poderes, em frente à sede do Supremo Tribunal Federal.
No porta-malas do veículo danificado foram encontrados tijolos, madeira e fogos de artificio. Bombeiros apagaram as chamas e a fumaça.
Mas rapidamente ficou claro que a segunda explosão havia deixado uma vítima. O corpo de um homem foi encontrado deitado na praça. Ele estava vestido com terno verde com símbolos de cartas de baralho, no que pareceu uma alusão ao personagem de HQs Coringa, que nos últimos anos foi adotado como símbolo por radicais antissistema depois do lançamento do filme Coringa em 2019.
A polícia também apontou que o corpo era do autor dos ataques. Segundo boletim policial, um segurança do STF contou que o homem se deitou deliberadamente sobre a bomba antes da detonação.
De acordo com a polícia e relatos de testemunhas, o homem havia tentado entrar sem sucesso no STF. Depois, quando um segurança se aproximou, ele jogou explosivos na marquise do edifício e mostrou outros artefatos.
O segurança do STF disse que o homem carregava uma mochila e mostrou algo semelhante a um relógio digital, que parecia acoplado a uma bomba. Após lançar outros artefatos, ele se deitou no chão e acionou o explosivo junto à nuca, morrendo na detonação.
A Polícia Civil do Distrito Federal classificou o episódio como um "autoextermínio com explosivo".
O autor das explosões
O homem que morreu na segunda explosão foi identificado pela polícia como Francisco Wanderley Luiz, de 59 anos, um chaveiro também conhecido como "Tiü França". O carro que explodiu, com placa da cidade catarinense de Rio do Sul, também estava registrado no seu nome.
Em Rio do Sul, Wanderley Luiz foi candidato a vereador pelo PL (atual partido do ex-presidente Jair Bolsonaro) nas eleições municipais de 2020, mas não se elegeu, recebendo apenas 98 votos no pleito. Até o momento, não foram encontradas condenações ou processos que envolvam seu nome.
Segundo o canal Globonews, Wanderley Luiz havia alugado uma casa em Ceilândia, nos arredores de Brasília. Após as explosões, policiais fizeram buscas no local e encontraram diversos artefatos explosivos.
Redes sociais atribuídas a Wanderley Luiz que agora se encontram fora do ar continham diversas publicações que indicam um perfil de radicalização de extrema direita, com ataques a "comunistas", mensagens de cunho religioso e contra o Judiciário. As mensagens são essencialmente capturas de telas de textos que Wanderley Luiz teria mandado para si mesmo no Whatsapp e depois publicado na sua conta no Facebook.
Ele também anunciou previamente em dezenas de mensagens que pretendia executar algum tipo de ataque. "Polícia Federal, vocês têm 72 horas para desarmar a bomba que está na casa dos comunistas", escreveu o homem, antes de citar nomes de políticos como José Sarney, Geraldo Alckmin e Fernando Henrique Cardoso.
Em outras mensagens, ele pareceu expressar a vontade de se tornar um mártir. "Não chores por mim! Soria!!! (sic) Entrego minha vida para que as crianças cresçam com liberdade", escreveu.
No Boletim de Ocorrência, a Polícia Civil faz menção às mensagens e constata que elas haviam "manifestando previamente a intenção do autor em praticar o autoextermínio e o atentado a bomba contra pessoas e instituições".
Wanderley Luiz também publicou uma foto em que aparece no interior do plenário do STF, com a mensagem "deixaram a raposa entrar no galinheiro". Segundo o site Poder360, Wanderley Luiz esteve no STF em 24 de agosto, durante uma visitação pública, ocasião em que fotografia foi feita.
Na rede X, onde aparentemente também tinha um perfil de usuário, Wanderley Luiz também compartilhava mensagens de cunho religioso. Ele também publicou um vídeo que mostrava o republicano Donald Trump num comício nos EUA.
Wanderley Luiz também teria circulado pelo anexo 4 da Câmara dos Deputados durante o dia, antes do ataque, segundo o chefe de segurança da Casa. O local abriga gabinetes de parlamentares e a entrada no prédio é liberada.
De acordo com o jornal Folha de S. Paulo, o deputado federal bolsonarista Jorge Goetten (Republicanos-SC) disse que conhecia Wanderley Luiz e que se encontrou com ele em agosto, na mesma época em que o chaveiro visitou o STF.
Em uma mensagem enviada num grupo de Whatsapp, o deputado contou que conhecia Wanderley Luiz e sua família e que o chaveiro "realmente aparentava severos problemas mentais". Ao jornal, ele disse que "no ano passado, comentei no gabinete que tinha achado ele meio estranho, emocionalmente abalado. Ele falava muito da separação dele. Ele me pareceu meio abalado".
STF é alvo corriqueiro da extrema direita
O STF, que parece ter sido o principal alvo da tentativa de atentado, é há anos um dos principais alvos de ataques da extrema direita brasileira, que enxerga o tribunal como intrusivo e um obstáculo no caminho do bolsonarismo. As disputas entre o STF e os apoiadores de Jair Bolsonaro começaram ainda em 2019, quando o tribunal passou a investigar bolsonaristas suspeitos de propagar fake news e ataques a ministros.
A relação continuou a se deteriorar nos anos seguintes. Em 2021, o então presidente Jair Bolsonaro chegou a afirmar que não pretendia mais cumprir ordens do ministro do STF Alexandre de Moraes.
No final de 2022, um bolsonarista foi preso em flagrante por terrorismo, após confessar ter montado um artefato explosivo que foi instalado em um caminhão-tanque, perto do Aeroporto de Brasília.
Semanas depois, em 8 de janeiro de 2023, o prédio do STF, assim com o Palácio do Planalto e o Congresso, foi invadido e destruído por uma turba de bolsonaristas que tentava alimentar uma ruptura institucional para reverter o resultado das eleições presidenciais de 2022. O STF foi o prédio que mais sofreu danos no ataque.
Reações
As explosões na noite de quarta-feira levaram à suspensão de uma sessão plenária na Câmara dos Deputados. Tanto o Congresso quanto o STF decidiram suspender seus trabalhos até às 12h desta quinta-feira, enquanto prosseguiam varreduras em busca de possíveis explosivos adicionais nos prédios da região.
Após as explosões, o STF informou que servidores e colaboradores do edifício-sede foram retirados por medida de cautela.
Além da investigação conduzida pela Polícia Civil do Distrito Federal, a Polícia Federal também abriu um inquérito, que deve ser remetido ao ministro Alexandre de Moraes.
Diversos membros da classe política reagiram ao episódio. O deputado Arthur Lira, presidente da Câmara pediu uma apuração urgente. "Reafirmo, veementemente, meu total repúdio a qualquer ato de violência", disse.
O ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Paulo Pimenta, por sua vez, disse: "Os ataques às instituições são ataques à democracia e ao povo brasileiro (…) Cada vez mais, a defesa da democracia, o combate à intolerância e à política de ódio que contaminou setores da sociedade se tornam fundamentais. Não podemos, em hipótese nenhuma, naturalizar atos antidemocráticos".
Já o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) afirmou na rede X que, caso as explosões que aconteceram em Brasília, tenham "motivação política, que os responsáveis sejam punidos".
"Confiamos nos órgãos de segurança e nas instituições do Estado no cumprimento de suas funções de esclarecer o fato à sociedade brasileira e, caso tenha motivação política, que os responsáveis sejam punidos com o rigor da lei. Basta de violência!", escreveu.
jps/cn (ots)
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