Agora a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza do mandatário brasileiro conta com o apoio de 82 países, inclusive da Argentina, cujo presidente, Javier Milei, acabou não concretizando a ameaça de boicotar a declaração final. Seria interessante descobrir como o pessoal de Lula conseguiu que o rebelde rockstar político de penteado indomável não transformasse o G20 num fiasco total. Pois é o que parecia, desde que Milei se manifestara publicamente contra quase todos os planos do Brasil para o documento conclusivo.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza é a maior conquista do Rio, também para Lula pessoalmente. Já durante seus dois mandatos presidenciais anteriores, de 2002 a 2010, ele tentou inutilmente lançar um projeto global de combate à fome e à pobreza. Agora essa sua causa tão íntima parece estar no bom caminho – embora seja sempre bom ter cautela com as promessas ultra nebulosas que um acordo do G20 representa.
Pragmatismo forçado sob a sombra de Trump
Já o segundo ponto central da agenda do petista, o combate à crise climática, deixou bem claro quão dividido o mundo está no momento. De um lado, os países industrializados ricos exigem a participação das nações emergentes no fundo para o clima: grosso modo, trata-se de uma disputa entre o G7 e o Brics. Esse dilema já resultou num impasse na conferência do clima COP29, que transcorre simultaneamente no Azerbaijão.
Tampouco no Rio se chegou a resultados palpáveis. Oficialmente mantém-se a meta de limitar o aquecimento global em 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais – taxa essa que, afinal, há muito já foi ultrapassada. Na declaração final do G20 procuram-se inutilmente comprometimentos concretos para salvar o clima global.
Pois, afinal, nem mesmo Lula e seus hábeis diplomatas podem fazer milagres. Perante os crescentes antagonismos entre o Ocidente e a China-Rússia, os sinais globais apontam atualmente antes na direção do conflito do que da cooperação construtiva. Perante desse quadro, no encerramento da cúpula Lula citou Nelson Mandela: "É fácil demolir e destruir; os heróis são aqueles que constroem". E acrescentou: "Vamos seguir construindo um mundo justo e um planeta sustentável."
Em relação aos dois grandes conflitos armados atuais, a declaração final do Rio permanece vaga. Consta uma advertência geral pela paz na Ucrânia, mas sem citar nominalmente a agressora Rússia. Nesse ponto, os países ocidentais não conseguiram se impor.
Isso também tem a ver com o fato de o democrata Joe Biden, presente à conferência, estar em vias de entregar a presidência dos Estados Unidos. Portanto ele não teve como prometer muito nem fazer grande pressão na cúpula, já que Donald Trump poderá reverter tudo quando assumir a Casa Branca.
Vagos lugares-comuns: uma vitória diplomática?
Assim, o documento não se pronuncia explicitamente pela integridade territorial ucraniana: motivo de alegria para a Rússia, presente no Rio só através de seu ministro do Exterior. E o fato de o ataque do Hamas contra Israel não ser mencionado com uma só palavra deveria ser considerado, na verdade, uma falha imperdoável, como enfatizou a delegação alemã. Ainda assim, o chanceler federal Olaf Scholz acabou por assinar a declaração final.
Em compensação, defende-se a solução de dois Estados e o reforço à assistência humanitária para os palestinos. Ao que tudo indica, não condenar explicitamente Israel por seu procedimento na Faixa de Gaza foi parte do acordo: aqui, nenhuma crítica a Israel; lá, nenhuma crítica à Rússia.
E quanto à reforma das instituições globais, incluindo a ONU e o Fundo Monetário Internacional (FMI), as esperanças ficam depositadas na África do Sul, que preside o G20 nos próximos 12 meses. Pois no Rio a busca de um compromisso por uma representação mais justa já foi celebrada como uma vitória diplomática.
Isso é bem pouco palpável, assim como tantas coisas nesta cúpula do G20. Contudo, hoje em dia é preciso reconhecer como uma grande façanha diplomática o mero fato de Lula e seus assessores terem sequer conseguido compilar um documento cheio de vagos lugares-comuns.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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