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Acompanho a carreira do violoncelista brasileiro Antonio Meneses desde o momento em que ele derrotou uma multidão de russos, como dizia um amigo músico, para conquistar a medalha de ouro no Concurso Tchaikovsky em Moscou 41 anos atrás, em 1982. Gravou em seguida com Karajan e a Filarmônica de Berlim. Quatro anos depois, no Festival de Inverno de Campos do Jordão, ele me dizia que não gostara nada da experiência com os rebrilhantes alemães. Seguiu uma maravilhosa carreira independente, optou pela liberdade no dia-a-dia de escolher os parceiros com os quais gosta de fazer música.
Antonio continua tocando em altíssimo nível, aos 66 anos recém-completados no último dia 23 de agosto. Hoje não é só o nosso maior violoncelista. É um músico extraordinário, em sentido absoluto. Seis anos atrás, por exemplo, ele saiu da zona de conforto do músico clássico e construiu um álbum espetacular com André Mehmari. Naquele momento, me dei conta de que, ao longo de sua vida, Antonio foi e é antes de tudo brasileiro. Desenrolando este novelo, chego ao escritor cubano Alejo Carpentier, frequentador assíduo das feijoadas semanais no apartamento parisiense de Villa-Lobos na Place St. Michel nos anos 1920. Ele definiu com precisão a natureza da música de seu amigo brasileiro e, por extensão, do que todo músico brasileiro deveria ser: “Villa pensa como palmeira, sem sonhar com pinheiros nórdicos”. E advertiu: “Repetimo-nos il pleut dans mon coeur, como o suave poeta, para enganar o incêndio tropical que temos dentro de nós”.
Pois, garanto a vocês, este “incêndio tropical” acontece no álbum “After a Dream”, da Azul Music, que hoje chega às plataformas digitais e é o CD desta semana. Mas o repertório é europeu, dirão alguns. A peça mais encorpada é a célebre sonata para violino e piano de Cèsar Franck, aqui em versão para cello e piano. Ainda no reino das sonatas, de belíssima de Debussy. Peças mais curtas, todas muito conhecidas, pontuam estes dois pilares. Como a “Sicilienne”, a “Elegie” e o mágico arranjo de Casals para a canção “Après un rêve”, de Gabriel Fauré.
Falei há pouco no “incêndio tropical” que habita este álbum. Quem duvidar, que ouça o personalíssimo início do Allegro, segundo movimento da sonata de Franck. O piano de Cristian Budu insinua-se em rubatos muito pessoais, mas precisos em sua flexibilidade. É o parceiro ideal para Antonio. Ele comemora em 2023 os dez anos de sua maior conquista até agora – ele é jovem --: o Grande Prêmio e dois prêmios extras do Concurso Clara Haskil, na Suíça, em 2013. Cristian, no entanto, é muito mais do que um pianista excepcional. Ele é um músico que pensa criticamente seu ofício, age para injetar sangue nas veias, pulsar a música de tal modo que não só seduza quem a ouve pela excelência técnica de execução, mas por causa do fluxo vital que anima suas interpretações.
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